Descrição de chapéu
Beatriz Rey e Mario Sergio Lima

Lula e a urgência de prioridades

Governo terá que aceitar o fato de que base será formada votação a votação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Beatriz Rey

Doutora em ciência política, é pesquisadora sênior do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), da Uerj, e da Fundação POPVOX (EUA)

Mario Sérgio Lima

Analista sênior da consultoria de risco político Medley Advisors

Após sofrer recentemente duas derrotas em votações na Câmara dos Deputados, o governo Lula (PT) iniciou uma operação emergencial para estancar a sangria da falta de apoio legislativo. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, deve se reunir com os partidos aliados para cobrar votos nas próximas semanas. A movimentação de Padilha não deve ser bem-sucedida enquanto um problema maior não for resolvido: a falta de estratégia sobre as pautas a serem encampadas no Congresso.

Ainda não há clareza sobre quais proposições são prioridades para o governo, que desperdiçou capital político com o PL das Fake News e o decreto do Marco Legal do Saneamento Básico. Diante da nova configuração na relação Executivo-Legislativo, o governo deve elencar uma lista prioritária de proposições e negociar apoio com a base para essa lista.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters - REUTERS

A despeito da experiência de boa parte dos políticos que compõem o gabinete da Presidência, a impressão é de que o governo não entendeu como as relações estabelecidas no Congresso mudaram nos últimos anos. Pior: os tropeços se deram em batalhas que demonstraram também uma certa miopia em relação ao mandato que foi dado para o presidente Lula.

A vitória nas eleições foi a mais apertada desde a redemocratização, ainda que o outro lado tenha sido representado pelo maior retrocesso em termos gerencial, humano e político desde a Constituição de 1988.

Para além disso, um zeitgeist cada vez mais conservador no país deveria ser o indício de que algumas pautas caras a setores da esquerda não terão vida fácil. O decreto que mudava o marco do saneamento foi derrotado porque era uma ideia ruim mais do que por faltar base.

O Congresso empoderado por controle cada vez maior das verbas do Orçamento e da própria agenda legislativa, somado a um enfraquecimento das estruturas partidárias que garantiriam fidelidade em votações, já foi um fator de resistência à maior parte da agenda bolsonarista. Não havia razão para acreditar que não ocorreria o mesmo agora. A solução é aceitar o fato de que a base será formada votação a votação e, mais do que nunca, o estabelecimento de prioridades se faz necessário.

Na economia, o arcabouço fiscal, as duas partes da reforma tributária e as medidas de recomposição de receitas propostas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) já consumirão o grosso do capital político e os escassos recursos de emendas parlamentares para o ano, mas criam um cenário positivo para a economia que pode facilitar alguma boa vontade de parlamentares envoltos direta ou indiretamente nas eleições municipais.

Evitar tropeços como a tentativa de revisão de projetos que já foram aprovados em legislaturas anteriores, que minam capital político e resultam em derrotas, é mister. Para mobilizar a base da esquerda, pautas voltadas ao meio ambiente e proteção de minorias que não alienem bancadas setoriais —como a evangélica e a ruralista— para além de seus membros mais extremistas podem ser o caminho do governo.

Em seus estudos sobre formulação de políticas públicas, os cientistas políticos Frank Baumgartner e Bryan Jones sugerem que governos sofrem de limitações cognitivas e institucionais que os impedem de lidar com diversos problemas de uma só vez. Na ausência de eventos que forcem a ação governamental (como, por exemplo, desastres naturais), é preciso usar atalhos para direcionar a atenção do Executivo para determinados problemas.

Nesse sentido, uma agenda de 10 a 15 projetos —mais a construção de uma linha de defesa a propostas que representem retrocessos à direita, além do controle dos rumos da CPMI dos Atos Golpistas— parece-nos o máximo que o governo consegue entregar até o fim do ano. Já se passaram (ou, melhor dizendo, foram perdidos) quatro meses. Sem essa reorganização de prioridades, há pouca chance de o governo conseguir produzir mais do que ruídos. Na última semana, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse estar até agora esperando a agenda prioritária do governo para o Congresso. O Brasil também está.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.