Descrição de chapéu
Claudia Abdul Ahad Securato

Assédio moral e sexual: descompasso entre lideranças e liderados

Falta de legislação específica dificulta definição clara do problema

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Claudia Abdul Ahad Securato

Sócia do Securato e Abdul Ahad Advogados

As empresas públicas e privadas, bem como demais estabelecimentos que possuam 20 ou mais trabalhadores regidos pela CLT, são obrigados por lei a terem profissionais compondo a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa).

A Cipa é formada por representantes do empregador e dos empregados, selecionados por meio de um processo eleitoral e, tradicionalmente, possuía como principais responsabilidades a identificação de riscos de processos de trabalho, conscientização dos trabalhadores sobre as normas de saúde e segurança, com especial ênfase no uso de equipamentos de proteção e prevenção de acidentes.

Ilustração de uso geral redes sociais relacionamento abusivo violência contra mulher abuso estupro gaslight abuso no trabalho
Empresas estão obrigadas a ter canal de denúncia e a organizar treinamentos - Catarina Pignato - Catarina Pignato

Desde dezembro de 2022, o Ministério do Trabalho e Previdência ampliou as responsabilidades da comissão, incluindo a obrigatoriedade de promover treinamentos sobre prevenção de assédio sexual, moral e qualquer tipo de violência. Essa exigência foi estabelecida pela portaria nº 4.219 e se aplica a todas as empresas com mais de 20 empregados e que tenham Cipa.

Ocorre que as empresas têm tido dificuldades em implementar treinamentos, e mesmo em compreender o escopo do que deve ser abordado, pois não há uma legislação específica para o assédio, o que dificulta a definição clara do problema.

Os casos de assédio têm sido relatados e discutidos na mídia e reiteradamente expostos nas redes sociais, muitas vezes viralizando e ridicularizando os envolvidos. Mais do que um mero entretenimento, esse fenômeno evidencia a importância de tratar o tema com seriedade e firmeza.

Por um lado, há inúmeras reclamações de empregados que relatam situações de desrespeito no local de trabalho, palavras e gestos abusivos, constrangimentos. Por outro, há líderes que não dão a devida importância às denúncias, pois não consideram essas situações como assédio ou normalizam ambientes de trabalho hostis como sendo necessários para a produtividade.

Mesmo compreendendo que existe uma relação desigual de poder entre empregado e empregador, é importante equilibrar as percepções entre liderança e colaboradores. Esses dois lados da relação de trabalho não devem ser antagônicos —os interesses precisam se harmonizar com foco no objetivo em comum de manter saudável o ambiente laboral.

É fundamental compreender os limites que líderes têm no contexto da gestão de pessoas e organização de processos, até onde podem ir para exigir determinados comportamentos e quanta pressão podem exercer sem que isso seja considerado assédio moral. E é indispensável entender o papel ativo da empresa em coibir comportamentos abusivos tanto entre líderes e liderados quanto entre pares e perante clientes, fornecedores e demais partes interessadas.

Ainda no aspecto da responsabilidade das empresas, é necessário abordar as microagressões, que são comentários, ações ou atitudes sutis que transmitem preconceitos ou discriminação em relação a certos grupos ou características das pessoas, e tem o potencial de causar desconforto.

Embora não sejam consideradas assédio perante a lei, precisam ser detectadas pelas empresas e desincentivadas, pois podem causar danos significativos para o ambiente de trabalho —e em especial para a autoestima e o bem-estar individual das pessoas envolvidas quando ocorrem repetidamente.

Muitas vezes, as denúncias de empregados precisam chegar ao Poder Judiciário para serem de fato levadas a sério pelas empresas, e perante a Justiça existem ainda inúmeras incertezas, dadas as variadas interpretações que os juízes podem ter de uma mesma situação, além da dificuldade de produzir provas concretas sobre fatos que acontecem longe de testemunhas, sem qualquer registro.

Toda a complexidade das interações sociais precisa ser levada em conta na hora de promover a conscientização a respeito de assédios no local de trabalho, tomando o cuidado de não engessar demais as relações humanas; afinal, nem tudo é assédio. É saudável a criação de laços de amizade no trabalho e, ao mesmo tempo, não é obrigatório que as pessoas sejam amigas íntimas para que haja o devido respeito entre as partes.

A falta de uma legislação clara, aliada aos mais diversos ambientes de trabalho dificulta a criação de regras objetivas que sejam universais. E, por consequência, pode trazer inúmeros prejuízos pessoais aos envolvidos em situações de assédio —sem falar nos prejuízos reputacionais e financeiros às empresas, aliados às incertezas do Judiciário.

Portanto, é imprescindível que as lideranças e os integrantes da nova Cipa sejam devidamente treinados com base em conceitos e fundamentos claros sobre assédio moral e sexual, sobre respeito aos limites e espaço do próximo, sobre como identificar microagressões e combater comportamentos discriminatórios e ofensivos.

De acordo com a portaria do Ministério do Trabalho, as atividades de treinamento precisam ser realizadas no mínimo a cada ano. Para que sejam efetivas, as empresas precisam investir na qualidade do treinamento, que deve ser atualizado e adaptado à realidade do mercado de trabalho, à sociedade atual e a seus valores, além de se adequarem de forma específica à empresa em que são aplicadas.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.