Esgota-se nas democracias consolidadas a tolerância com os despotismos, a despeito do uniforme ideológico que vistam.
O flerte de correntes domésticas com doutrinas extremistas em países como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França elevou a responsabilidade dos governantes e a cobrança sobre eles.
Não tem sido diferente no Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu a eleição engolfado em maré antiautoritária. É impossível posar de paladino da democracia aqui e abraçar caudilhos amigos lá fora sem corrosão política —e sem alimentar o extremismo adversário.
Ainda assim, Lula pagou para ver. Agarrado a velharias ideológicas tiradas do armário empoeirado do século 20, pretendeu inculpar os EUA e seus aliados da Otan pela agressão russa à Ucrânia. Deu a Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, status de parceiro privilegiado em visita a Brasília, quando pronunciou a célebre frase de que democracia é relativa.
Como o mundo mudou, o presidente brasileiro sofreu desgaste e críticas, inclusive no eleitorado que o apoiou em outubro, e parece dedicado, se não a recuar de seus rematados equívocos, pelo menos a jogar com mais ambiguidades.
Na reunião entre governantes latino-americanos e da União Europeia, em Bruxelas, os participantes dialogaram com representantes do regime venezuelano e da oposição, implacavelmente perseguida pela ditadura de Maduro.
Em comunicado nesta terça (18), a cúpula cobrou eleições limpas, livres e monitoradas por observadores internacionais no ano que vem. Em contrapartida, diz a nota, países que sustentam restrições a negócios com a nação sul-americana deveriam relaxá-las.
O ceticismo desperta quase automaticamente quando Lula e seu colega argentino Alberto Fernández —que tanta energia têm desperdiçado para tentar reabilitar o regime pária há 24 anos no poder na Venezuela— subscrevem um documento com esse teor.
Talvez a dupla queira aplicar um drible nos europeus, de onde vêm as maiores sanções econômicas, para satisfazer novamente o aliado chavista sem dele obter concessão substanciosa. A malandragem nesse caso seria facilmente identificada antes de produzir resultados.
O que se exige da autocracia venezuelana é objetivo: liberar candidatos que quiserem concorrer às eleições de 2024, o que inclui oposicionistas há pouco cassados, e permitir a inspeção de observadores estrangeiros, revertendo decisão recente da ditadura chavista.
Maduro, sob pressão, ainda poderá escolher continuar empobrecendo e expelindo o seu povo se quiser. Nessa hipótese, não deveria mais receber afagos de Lula.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.