VÁRIAS AUTORAS (nomes ao final do texto)
Há algo de podre (e antigo) no reino do antifeminismo atual e em sua tentativa de devolver as mulheres à domesticidade, como podemos ver no artigo "O feminismo contra as mulheres" (23/7), da colunista Lygia Maria, publicado nesta Folha.
O texto —que defende que o movimento feminista atual promove vitimismo, faz mulheres confundirem paquera com assédio e as ensina "a procurar agressão onde nem sempre há"— é um claro exemplo do que a autora Susan Faludi chamou de "backlash". Um contra-ataque conservador e machista que surge a cada avanço feminista.
A alegação de que os movimentos feministas incitam a vitimização é infundada e distorce seus propósitos. Para evitar esses equívocos, é preciso entender sua natureza. O primeiro ponto é compreender que o feminismo não retrata mulheres como vítimas indefesas, mas reconhece a histórica discriminação que sofrem no trabalho, na política, na educação e na vida doméstica.
Outra questão central é conscientizar mulheres sobre sua condição para encorajá-las a exercer a autonomia e lutar por igualdade de tratamento, subverter normas patriarcais e promover transformações estruturais na sociedade. Nada mais distante de vitimização!
Essa tomada de consciência nos ajudou a entender, por exemplo, que a violência de gênero não era apenas uma experiência individual, mas um problema coletivo. Aprendemos que o pessoal é político, que a culpa não era da nossa saia, que chega de "fiu-fiu", que "el violador eres tú".
Dizer, como no artigo, que a estratégia de denunciar assédios, alavancada pelo MeToo, perdeu função é ignorar essa conscientização e a coragem de mulheres em denunciar estupradores, seja em Hollywood, no futebol, no BBB ou em casa.
Alegar que o MeToo perdeu o foco é uma opinião subjetiva ligada à perspectiva individual e não reflete o impacto que ele ainda tem. Em entrevista à Folha ("Brasil registra 75 mil estupros em 2022 e bate recorde", 20/7), Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontou como um dos potenciais motivos pelo aumento dos registros de estupros o fato de termos "mais vítimas denunciando, na esteira de ações como o MeToo".
A discussão aberta pelo MeToo sobre cultura do estupro e impunidade obrigou instituições a repensarem suas políticas e abriu caminho para transformações sociais de longo prazo.
O artigo cita Camille Paglia para sugerir que o intelectualismo antecede o ativismo —uma dicotomia que não existe nos feminismos, onde pensadoras adotam perspectivas intelectuais fundamentadas em suas experiências. É o caso da interseccionalidade, conceito criado pelas feministas negras que reconhece que as experiências das mulheres são influenciadas por fatores como raça, classe e orientação sexual.
Como o texto diz ainda que o feminismo nos incita a buscar agressões onde não há, vale lembrar que em meio ao "backlash" há sempre mulheres —especialmente brancas e ricas— engajadas em duvidar de outras mulheres e minar suas lutas. Mas, como sabemos que os feminismos resistem a cercos machistas, seguiremos lutando e apoiando as mulheres que estão à margem, na formação da nova onda feminista.
Aline Mandelli
Jéssica Idalina
Mariana Della Barba
Vanessa Rozan
Pesquisadoras do Núcleo Inanna de Pesquisa sobre Feminismos da PUC-SP
Carla Cristina Garcia
Professora doutora e coordenadora do núcleo
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