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Fernando Leme do Prado

Cursos técnicos não se resumem à oferta

Há desinteresse nas metodologias utilizadas e pouca perspectiva de futuro

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Fernando Leme do Prado

Doutor em educação (PUC-SP), é membro do Fórum de Educação Profissional do Estado de São Paulo e ex-presidente da Associação Nacional de Educação Tecnológica (Anet); autor de “Os Novos Cursos de Graduação Tecnológica” e “Metodologia de Projetos”

A educação profissional nunca teve muito prestígio nestas terras tupiniquins. Desde os tempos coloniais, passou por sucessivas reformas até culminar na lei 5.692/71, já revogada, que tornou obrigatória a formação profissional nos cursos de segundo grau —o nosso ensino médio atual. Como a proposta não era atrativa para muitos estudantes preocupados com o acesso à universidade, foi progressivamente se desfigurando e não alcançou seus objetivos.

Essa rápida retrospectiva é importante para entendermos que já passamos por mecanismos de expansão da oferta de educação profissional sem os resultados esperados, como o recente Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que, mesmo com muitos recursos, não foi bem-sucedido.

Estudante do Senai na unidade do Sesi em Taguatinga (DF), em treino de funilaria para a World Skills 2019, competição mundial de profissões que aconteceu na Rússia naquele ano - José Paulo Lacerda/CNI - José Paulo Lacerda

Somos absolutamente favoráveis ao aumento da oferta de cursos técnicos, mas acreditar que a escola se tornará mais atraente apenas porque oferece educação profissional é um grande equívoco, pois o desinteresse não está na modalidade de ensino, mas nas metodologias utilizadas e nas perspectivas que acena. É fundamental ter uma proposta pedagógica com foco no aprender e no protagonismo do aluno, que cuide dos aspectos cognitivos, mas também dos socioemocionais, consciente de que a ocorrência do ensino não assegura a aprendizagem.

A escola que se limita a repassar conteúdos tem pouquíssimas chances de ser atrativa mesmo na educação propedêutica, algumas vezes referida como ensino regular. Repetir isso na educação profissional com professores apenas mostrando como algo deve ser feito, desconsiderando o princípio básico do "aprender a fazer fazendo", nos remete a perguntar: "Quantas vezes se deve assistir ao César Cielo nadando para aprender a nadar?".

Profissionais com formação específica e experiência são muito bem-vindos na composição do corpo docente, com aulas onde suas vivências farão toda a diferença, desde que participem de programas de capacitação para o magistério —o que não se faz no curto prazo. Demanda tempo, planejamento, recursos, espaços, equipamentos e infraestrutura, tecnologias e metodologias.

Cabe ressaltar, ainda, que a referência aos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), onde o número de matriculados em cursos técnicos é muito maior que aqueles que fazem o equivalente ao nosso ensino médio, decididamente precisa ser melhor analisada, pois a explicação não se resume à oferta.

Além das diferenças estruturais e culturais, nesses países a valorização do profissional de nível técnico faz com que a diferença salarial entre ele e o formado em nível superior seja muito pequena, o que não ocorre por aqui. Se a carreira de técnico fosse tão promissora no Brasil como é nos países da OCDE, certamente já teríamos um maior número de matrículas nessa modalidade de ensino há muito tempo.

A educação profissional não é atrativa por si só no Brasil. Aumentar a oferta sem atender seus fundamentos não recuperará seu prestígio. O Fórum da Educação Profissional do Estado de São Paulo, há mais de década e meia, vem estudando e propondo alternativas para o desenvolvimento da educação profissional em todos os seus níveis e modalidades, analisando causas e consequências. Muitas das reflexões aqui expostas decorrem desses debates.

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