Descrição de chapéu
Luiz Roberto Liza Curi

O renascido

Nada se sobrepõe ao conhecimento como definidor do processo civilizatório

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Luiz Roberto Liza Curi

Sociólogo e doutor em economia (Unicamp), é presidente do Conselho Nacional de Educação

Recuperar aspectos da história passada pode ser mais trabalhoso do que aceitar a transformação para o futuro. Na versão do escritor russo Leonid Andreiev, Lázaro acabou, com o tempo, perdendo o próprio controle, ficando sem saber se estava vivo ou ainda morto. Perdeu de uma só vez seu passado e seu futuro.

Não há nada que expresse mais a realidade de uma nação e de sua sociedade do que os incentivos e cuidados com a educação. Nada é capaz de se sobrepor ao conhecimento como definidor do processo civilizatório, do bem-estar, da competitividade econômica e da inclusão social. O Brasil descreve uma trajetória educacional que demonstra a necessidade de transformação para construir o futuro.

0
Alunos de escola estadual na zona leste de São Paulo assistem à palestra do ator Cleto Baccic - Keiny Andrade/Folhapress - Folhapress

Vamos começar pelo que mais importa, que é a educação básica pública que descreve, ao final de 2022, uma linha decrescente de aprendizado e uma linha crescente de evasão e abandono escolar, de mais de 500 mil estudantes por ano, com ampla concentração nos de baixa renda. Uma breve visita ao Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) é suficiente para constatar perdas e limites ao aprendizado desde a alfabetização até ao final do ensino médio. Melhoramos em relação as décadas passadas, mas ainda não resolvemos.

O ensino médio tradicional acaba por expressar um epílogo sob a forma de paroxismo da trajetória da educação fundamental, incapaz que foi em corrigi-la. As consequências acumuladas indicam que cerca de 75 milhões de brasileiros não concluíram a educação básica e mais de 5 milhões de jovens não terminaram o ensino médio.

Nesse ponto é relevante indicar a diluição em torno da educação profissional tecnológica (EPT). Sabe-se da imensa lacuna aberta em nosso futuro pela ausência de empregabilidade vocacional de jovens. Todos sabemos que a cooperação empresarial, sob a forma de estágios a cursos de EPT, é capaz de ampliar a trajetória futura de milhões de jovens destinados ao desemprego ou ao emprego sem qualificação, sem contar no imenso benefício que técnicos adequadamente formados trariam para a ampliação da produtividade e competitividade industrial. Em 1985, a indústria de transformação tinha participação de 35% no PIB brasileiro; em 2022, foi de apenas 12,9%.

Por fim, restam as adversidades no ingresso e na permanência dessa mesma juventude na universidade. Dos que concluem o ensino médio público, apenas cerca de 20% chegam ao superior, que recebe cada vez menos jovens de 18 a 24 anos. Em 2021, deixaram de ser preenchidas 30% das 827.045 vagas ofertadas pelas universidades ou instituições públicas. Enquanto isso, as matrículas de novas vagas para cursos na modalidade a distância alcançaram, em 2021, 2.477.374 —ou 63% do total, sendo mais de 90% localizadas no setor privado.

Ao considerarmos as dificuldades de preenchimento de vagas na universidade pública e a ampliação em matrículas na modalidade a distância com mensalidades acessíveis, a impressão que nos causa é que as classes mais baixas estão sendo deslocadas ao setor privado via EAD (ensino a distância).

A essas circunstâncias sobrepõe-se a desistência de 62% dos matriculados em cursos particulares e 55% em cursos públicos. Mais grave é a evasão crescente em cursos de formação de professores e engenharias, em torno de 70%.

A trajetória escolar somada às evidentes necessidades de mudanças curriculares na educação superior nos oferece uma visão de futuro limitada a uma infinita série de vésperas, como diria o escritor Jorge Luis Borges.

Felizmente as ações do atual ministro da Educação, Camilo Santana, nos remete a um novo pacto nacional pelo reordenamento da educação brasileira, da alfabetização ao ensino médio, com atenção à formação de professores e à retomada estruturada da educação profissional e tecnológica e da educação superior.

O aprendizado pleno das 47 milhões de crianças e jovens na escola faz com que o conhecimento se transforme em cultura, as competências em criatividade e a inclusão em emprego.

A universidade pública brasileira, engrandecida pela colocação da USP entre as 100 melhores universidades do mundo, comprometida com a formação, com a ciência e a cultura, nos traz esperança no futuro —a mesma da frase de um poema de Mário de Andrade a respeito da divisão de seu corpo pela cidade de São Paulo: "o joelho na universidade, saudade...".

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.