Descrição de chapéu
Rogerio Lerner

Psicanálise é ciência? SIM

Ignorar eficácia é negligenciar sofrimento mental da população

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rogerio Lerner

Psicólogo, é doutor em psicologia (USP) com pós-doutorado em psiquiatria (Universidade Paris 6); professor do Instituto de Psicologia e do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP

Há diversos ensaios clínicos randomizados controlados com cegamento e tratamento estatístico de dados evidenciando a eficácia da psicanálise e de psicoterapias psicodinâmicas. Satisfazem rígidos critérios científicos, atestando que a qualidade da sua orientação metodológica é equivalente à de estudos feitos com outros tratamentos também baseados em evidências, como Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).

Muitos deles comparam a eficácia das duas abordagens (psicanálise ou psicoterapia psicodinâmica versus TCC) com poucas discrepâncias em demonstrar que, para a maioria dos transtornos, não há diferenças significativas entre ambas ao fim do tratamento quanto à melhora de sintomas.

Engenheiro F. F., 36, faz sessões de psicanálise para superar crises que teve após o nascimento de suas filhas - Marlene Bergamo/Folhapress - Marlene Bergamo/Folhapress

Existem resultados ligeiramente melhores em magnitude do efeito para uma ou para outra. Evidências mostram que, além dos sintomas específicos do transtorno, o tratamento com psicanálise e psicoterapias psicodinâmicas contribui com aspectos mais amplos da vida da pessoa e seus efeitos tendem a aumentar a longo prazo, após o fim do tratamento, mais do que ocorre com TCC.

Esses trabalhos são oriundos de publicações científicas especializadas norte-americanas e europeias de renome que não são sustentadas por instituições psicanalíticas, como Lancet Psychiatry, Cochrane Database of Systematic Reviews, American Psychologist, World Psychiatry, Clinical Psychology Review, Canadian Journal of Psychiatry, Psychotherapy and Psychosomatics
—para nomear alguns.

Diversos neurocientistas importantes, como Cristina Alberini (fez pós-doutorado com o ganhador do prêmio Nobel Eric Kandel) e Mark Solms, que se tornaram psicanalistas depois de estabelecidos como pesquisadores empíricos em grandes universidades, além de Richard Lane, Pierre Magistretti, Antonio Damasio e Jaak Panksepp publicam artigos com articulações entre neurociências e considerações freudianas sobre a mente.

Discute-se que a influência de Hermann von Helmholtz na formação de Freud como pesquisador que fez experimentos quando neurologista serviu como diretriz para suas hipóteses oriundas da observação clínica de fenômenos introspectivos, a ferramenta de que se dispunha na época.

Robin Carhart-Harris e Karl Friston afirmaram: "Os escritos de Freud contêm muitas heurísticas úteis para explorar a função global do cérebro, especialmente em estados não ordinários [sonhos e sintomas] de consciência. (...) O modelo freudiano acrescenta uma estrutura para uma compreensão integrada dos fenômenos psicopatológicos. (...) Não deve impedir o teste de hipóteses, mas facilitá-lo enfatizando a importância de estudar a fenomenologia, neurofisiologia e neurodinâmica de diferentes modos ou estados de cognição; e indicando onde podemos procurar por anomalias" ("The default-mode, ego-functions and free-energy: a neurobiological account of Freudian ideas", p. 1.275).

Sou responsável pela disciplina de pós-graduação da USP "Ensaios Clínicos Randomizados e Estudos Neurocientíficos na Produção de Evidências em Psicanálise", onde parte dessa literatura está disponível aqui.

Mais recentes do que estudos com outras abordagens, os que mencionei são ignorados até por pessoas com títulos de pós-graduação.

A Organização Mundial de Saúde alerta para o aumento, incrementado pela pandemia de Covid-19, de transtornos mentais na população, com destaque para ansiedade e depressão. O sofrimento de tanta gente que tem se beneficiado e ainda pode se beneficiar da psicanálise e de psicoterapias psicodinâmicas não pode ser negligenciado por desinformação quanto a sua eficácia.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.