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Humberto Ribeiro, Mayara Stelle e Leonardo Leal

A liberdade de denunciar ameaças à liberdade

Intimidações em larga escala também inspiraram reação e resistência

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Humberto Ribeiro

Advogado, cofundador e diretor jurídico e de pesquisas do Sleeping Giants Brasil

Mayara Stelle

Cofundadora e diretora institucional do Sleeping Giants Brasil

Leonardo Leal

Cofundador e diretor de comunicação do Sleeping Giants Brasil

Prevista na Constituição Federal, em seus artigos 5º e 220, sublinhada pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e citada em verso e prosa por muita gente de boa vontade, a liberdade de expressão é um daqueles direitos fundamentais há muito tempo usado por diferentes —e antagônicos— propósitos.

Pensada como uma forma de proteção, a liberdade de expressão é usada também para o ataque; exercida como cidadania, é empunhada para sustentar atos ilícitos. Em muitos casos, essa mistura não é aleatória, mas uma forma de recorrer a ela para disseminar discursos de ódio e desinformação deliberada.

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Quando denunciados, não raros disseminadores do ódio e da desinformação, vestidos com o manto de pregadores da liberdade, se dizem alvo de censura. Tais porta-vozes dessa falsa liberdade foram inspirados pelo ciclo autoritário que o Brasil viveu nos últimos anos. E assim o país virou um terreno fértil para a produção e disseminação em massa de conteúdos ilícitos e indesejados, adornados pelo espaço de regras frágeis que se tornaram as redes sociais. Mas a ameaça em larga escala também inspirou a reação e a resistência —das instituições do Estado e da sociedade civil.

O Sleeping Giants Brasil, capítulo nacional de um movimento presente em 16 países, surgiu nesse contexto. Fundado por três jovens que buscavam soluções para os problemas das fake news e do discurso de ódio, o movimento brasileiro se converteu na maior operação do grupo no mundo. Busca promover boas práticas corporativas ao estimular que empresas anunciantes se dissociem de conteúdos falsos que atentem, por exemplo, contra a independência dos Poderes, a segurança das eleições e a saúde pública. Ao destacar a forma como suas marcas estão vinculadas a conteúdos indesejados, ajuda empresas a refletir (e agir) sobre a sua responsabilidade social e ética em suas estratégias de publicidade.

Para os produtores e disseminadores de fake news e discursos de ódio, esse tipo de alerta, questionamento e denúncia é uma forma de censura. Nada mais falso. Recorrem à liberdade de expressão —sempre ela— para desabonar ações como a do Sleeping Giants e proteger suas vozes de ódio e mentira.

Deliberadamente ignoram que o movimento não detém as forças coercitivas do Estado para impor a censura a quem quer seja, muito menos para obrigar empresas a tomarem qualquer decisão. Estas, como agentes privados, têm plena autonomia e liberdade para direcionar seus recursos de acordo com suas próprias avaliações.

Ao Sleeping Giants compete o papel de conduzir campanhas de conscientização voltadas a desestimular o patrocínio de notícias falsas e discursos de ódio. Oferece subsídios orientadores de tomada de decisões éticas e socialmente responsáveis no que diz respeito à alocação de recursos. Não à toa, mais de 1.100 empresas já informaram, publicamente, aderir às recomendações do movimento nas 80 campanhas desenvolvidas nos últimos três anos.

Trata-se de um esforço colaborativo e pedagógico acerca de valores e princípios que as empresas refletem ao associar suas marcas a conteúdos mentirosos, odiosos e ilícitos. Tudo isso é parte de um ecossistema de promoção de boas práticas corporativas que ganhou o planeta, instalando-se em organizações internacionais como a ONU e a OCDE, ou ainda nas principais Bolsas de Valores mundo afora. A linha de corte das denúncias não é a censura ou a usurpação da liberdade de expressão, mas os crimes previstos em nossa Constituição, como contra a democracia, terrorismo, racismo, pedofilia e violência contra a mulher. Nada disso, reafirme-se, está protegido pelo direito fundamental da liberdade de expressão.

No clássico "Romanceiro da Inconfidência", de 1953, a poetisa carioca Cecília Meireles escreveu: "Liberdade – essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!". O Brasil e o mundo mudaram desde então. E na cicatrização de tantas feridas abertas, é o momento de reconstruir e reafirmar valores que —estes, sim— devem proteger e estar protegidos por direitos fundamentais como o da liberdade de expressão. Que os agentes públicos preocupados com a proteção dessa liberdade saibam fazer essa separação.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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