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Isaias Coelho

A Reforma Tributária deve permitir que prefeitos mudem a base do IPTU por decreto? NÃO

Vereadores devem manter controle para impedir eventuais excessos

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Isaias Coelho

Doutor em economia pela Universidade de Rochester (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP

A proposta de Reforma Tributária, ora sob consideração do Senado Federal (PEC 45/2019), dispõe que o Imposto Municipal sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) poderá "ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal".

Vingando a proposta, haverá um sem-número de critérios diferentes na aferição do tributo, tantos quantos os municípios e as respectivas leis municipais de IPTU. Pior ainda, o que a Lei Maior estaria mandando é a Câmara de Vereadores delegar ao Poder Executivo municipal a fixação da base de cálculo do imposto; portanto, seu montante.

Fachada de prédio da imobiliária Savoy, na avenida Duque de Caxias (centro de SP), que pediu isenção de IPTU por estar na cracolândia - Danilo Verpa/Folhapress - Folhapress

Junte-se a isso a autoritária emenda constitucional adotada em 2000 —que permite aplicar alíquotas crescentes no tempo e fazer a alíquota variar conforme o tipo e a localização do imóvel e não apenas com seu valor (que melhor reflete a capacidade contributiva)— e temos o cenário pronto para a arbitrariedade na aplicação de um dos tributos mais tradicionais do país.

Será muito difícil ao legislador municipal estabelecer critérios razoáveis e duráveis que, uma vez adotados, possam ser aplicados sem dificuldade ou injustiça pelo Executivo. Por exemplo: para ajustar por inflação, que índice será adotado? Em 2020, o IPCA cresceu 4,5%, enquanto o IGP-M aumentou nada menos que 23,1%. Já nos últimos 12 meses, o IGP-M teve crescimento negativo em 9 deles.

Em situações emergenciais, como a recente epidemia de Covid-19, fará todo sentido não reajustar o IPTU para assim mitigar as grandes dificuldades temporárias que enfrentam as famílias. Quem deve decidir sobre essas situações é o Poder Legislativo, não o Executivo. Mesmo que o prefeito, amparado em delegação legislativa, adotasse políticas justas e adequadas, estaria sendo autocrata —ainda que benevolente.

É verdade que muitas cidades enfrentam dificuldades na atualização da planta de valores, com o que os valores do IPTU ficam defasados. Esse é um problema político, que deve ser resolvido dentro das regras políticas. Delegação de autoridade legislativa —e fixar a base de cálculo de imposto é fazer lei— é inaceitável na prática democrática.

A delegação de competência da Câmara de Vereadores para o prefeito, proposta pela PEC, não seria tão problemática se tivéssemos alguma forma de controle cidadão sobre a atuação dos alcaides. Ainda não temos mecanismos para nos livrarmos, durante o mandato, de prefeitos que se revelem ineptos uma vez eleitos. Em nossa democracia imperfeita, um grupo de eleitores, numeroso o suficiente para ser representativo, não tem o direito de, por decisão tomada em referendo popular (recall ou referendo revocatório, em outros países), remover do cargo um prefeito incompetente ou que de alguma forma tenha frustrado os eleitores.

O IPTU exerce papel importantíssimo nas finanças municipais. Para o cidadão, ajuda a confirmar seu direito de propriedade. Mas, se mal aplicado, ele pode ser instrumento de expropriação da propriedade familiar. O tributo tem que ser moderado para levar em conta que o proprietário ou usuário do imóvel necessita ter meios (de outras fontes que não o imóvel em si) para pagar o imposto. O controle democrático contra excessos é, no caso, exercido pelas Câmaras Municipais, compostas de representantes dos munícipes. É de todo indesejável, por antidemocrático, deixar ao bel-prazer dos prefeitos a fixação da base de cálculo —e, portanto, do "quantum" do imposto sobre a propriedade imóvel.

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