Descrição de chapéu
Renato Stanziola Vieira, Raquel Lima Scalcon, Vinícius de Souza Assumpção

As penas para os réus dos ataques de 8 de janeiro foram adequadas NÃO

Sobreposição demasiada de crimes desaguou em excesso punitivo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Renato Stanziola Vieira

Presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

Raquel Lima Scalcon

Diretora do IBCCrim e professora da FGV Direito SP

Vinícius de Souza Assumpção

Diretor do IBCCrim

Avaliar se uma pena é proporcional ao fato praticado é tarefa ingrata. Mais ainda quando o que se discute são os atos criminosos de 8 de janeiro. Não está em questão a necessidade de censura do ocorrido, porque evidente. O debate reside na quantificação da pena. Uma sanção será ou não excessiva a depender (i) das finalidades a ela atribuídas pela lei; (ii) dos crimes consumados; e (iii) da forma como ela foi individualizada no caso concreto. Trata-se de uma discussão técnica, e é nesse plano que a conduziremos.

No Brasil, o Código Penal atribui as funções de retribuição e prevenção à pena. A promoção de tais funções pelo juiz não é livre, devendo se mover no intervalo de anos fixado para cada crime. Ademais, a pena concreta será uma variável dependente do número de crimes que se entender praticados e da relação entre eles, que pode ser de autonomia total, parcial ou continência. Por exemplo, em todo crime de roubo há um crime de furto, mas, dada a relação de continência, pune-se apenas o roubo. Eis um princípio central do direito penal: não se sanciona duplamente o mesmo fato ("ne bis in idem").

Vândalos golpistas invadem a praça dos Três Poderes e depredam os prédios no 8 de janeiro - Gabriela Biló /Folhapress - Folhapress

Por essas premissas, pode-se justificar porque a pena dos réus já julgados pelos atos de 8 de janeiro seria "excessiva". O excesso não está na quantidade de anos em si —pode-se concordar com penas mais elevadas ou discordar de penas menores. A divergência reside na identificação de quais delitos ocorreram e na relação entre eles. Sustentamos que houve sobreposição demasiada de crimes em relação às condutas julgadas, que desaguou em excesso punitivo.

Os réus foram condenados por abolição violenta do Estado democrático de Direito (art. 359-L); golpe de Estado (art. 359-M); dano qualificado (art. 163, inc. I, II, III e IV); associação criminosa armada (art. 288, P. U.), todos do Código Penal, e deterioração do patrimônio tombado (art. 62, inc. I, Lei 9.605/98). Um primeiro problema está na relação entre os crimes dos arts. 359-L e 359-M. Parece-nos que ambos não podem incidir concomitantemente sobre uma mesma conduta no caso julgado, prevalecendo o crime de golpe de Estado, que contém a figura da abolição violenta do Estado democrático de Direito. Não parece possível tentar destituir o governo sem, ao mesmo tempo, impedir o exercício de poderes constitucionais.

Igual inconsistência há no acúmulo destes com o crime de dano qualificado que, por dicção legal, em seu inc. II, é subsidiário ("se o fato não constitui crime mais grave"). Ademais, o fato de ter sido praticado "com violência à pessoa ou grave ameaça" (inc. I) já tem seu desvalor abarcado pelo art. 359-L ou art. 359-M, que também exigem "violência ou grave ameaça". E a qualificadora do inciso III, no caso concreto, integra a conduta de deterioração do patrimônio tombado pelo qual as pessoas foram condenadas —e, por isso, não deve ser aplicada.

Ex-funcionário da Sabesp e morador de Diadema (SP), Aécio Lúcio Costa Pereira, 51, foi condenado a 17 anos de prisão pelos ataques de 8 de janeiro - Reprodução - Reprodução

Assim, resistiriam o delito de golpe de Estado, crimes de dano simples e o de deterioração do patrimônio tombado, sem descuidar de possível absorção da causa de aumento do crime de associação criminosa armada pelo primeiro, ponto para reflexão. Não se discorda que os crimes foram consumados, mas, por haver parcial ou total coincidência de desvalor, suas penas não poderiam incidir concomitantemente. Em suma, sem se questionar a simbologia da condenação, deve ser resguardada a correspondência entre as condutas e a sua adequação com os tipos penais.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.