Decerto são pouquíssimos os criminosos que já ouviram falar na teoria dos jogos, mas todos eles intuem que têm algo a ganhar numa negociação de delação premiada com as autoridades.
Não há motivo para o Estado deixar de usar essa ferramenta matemática de combate ao crime. Isso é especialmente verdade no contexto de esquemas mais sofisticados, em que indivíduos hierarquicamente mais bem posicionados na organização delituosa quase nunca participam diretamente da execução dos desmandos.
Nesses casos, restam à Justiça poucos meios de investigação além da colaboração de ex-comparsas, que podem dar testemunhos e indicar onde e como outras provas podem ser levantadas.
A experiência do Brasil com o instituto da delação premiada ainda é muito breve. Embora estivesse prevista em legislações mais antigas, a prática só ganhou impulso real a partir da Lei das Organizações Criminosas (12.850, de 2013). Seria otimismo exagerado afirmar que ela vem funcionando a contento.
No papel, sempre foi preciso mais do que o testemunho de um colaborador para condenar alguém. Um dos princípios básicos do direito penal reza que, quando tudo o que se tem é a palavra de um contra a do outro, é o réu que se beneficia com a dúvida.
Entretanto, no afã de obter punições, procuradores e magistrados nem sempre tomaram esse cuidado elementar de instruir os processos de forma consistente.
Pior, parece razoável a suspeita de que, em alguns casos dos últimos anos, foram prolongadas prisões cautelares com o objetivo de forçar réus a negociar delações.
Mas o excesso de prisões preventivas, muitas delas longas em demasia, já é uma marca da Justiça brasileira, o que torna difícil avaliar a consistência dessa conjectura.
Magistrados não se saem muito melhor na tarefa de corrigir abusos. As trocas de mensagens entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato, capturadas por um hacker, mostraram que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não teve um juiz imparcial como exige a lei —razão suficiente para que as condenações ao petista fossem revertidas.
Após a mudança dos ventos políticos, porém, o Judiciário criou tantos e tão variados caminhos para anulações que hoje há fila para invalidar delações acertadas na apuração de desvios na Petrobras, como noticiou a Folha.
Mesmo réus que, assistidos pelos melhores advogados de defesa, confessaram crimes e devolveram dinheiro à estatal estão agora querendo voltar atrás em seus acordos. Não é impossível que a empresa tenha de restituir os montantes que conseguiu reaver —o que seria um vexame internacional.
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