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Daniel Wei Liang Wang

A PEC que permite derrubar decisões do Supremo é democrática? SIM

Proteger democracia e direitos não depende de supremacia judicial

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Tramita na Câmara dos Deputados a proposta de emenda à constituição (PEC) 50/2023 para permitir ao Congresso derrubar decisões do STF que "extrapolem os limites constitucionais". Esta não é a primeira vez que se discute uma proposta dessa natureza. Em 2013, o plenário da Câmara discutiu a PEC que propunha sujeitar à apreciação do Congresso as decisões do STF que declarassem a inconstitucionalidade de emenda constitucional.


A PEC de 2023, porém, causa particular preocupação dadas as recentes ameaças à democracia vindas de Jair Bolsonaro e apoiadores. Para muitos, ela também violaria cláusula pétrea, por ameaçar a separação de Poderes e direitos fundamentais. Contudo a PEC, caso se limite a dar ao Congresso o poder de rever decisões do STF sobre a constitucionalidade de normas, não é antidemocrática nem fere cláusula pétrea.

Se por democracia entendemos o ideal de igualdade política e ampla participação, então permitir que uma maioria de centenas de parlamentares escolhidos por milhões de eleitores prevaleça sobre uma maioria de 11 ministros é mais democrático, não menos. Mesmo se pensarmos em democracia constitucional, que pressupõe separação de Poderes e proteção de direitos, tampouco é antidemocrático o Legislativo ter a palavra final sobre o conteúdo de leis e emendas constitucionais.

Há democracias constitucionais em que o Judiciário não tem a última palavra sobre a validade de leis. No Reino Unido, a Suprema Corte não pode invalidar leis, apenas declarar que uma lei é incompatível com direitos fundamentais, cabendo ao Parlamento a decisão de alterá-la. No Canadá, o "notwithstanding clause" permite ao Legislativo manter a validade de uma lei julgada inconstitucional pelo Judiciário.

Essas são formas "fracas" de controle de constitucionalidade: o Legislativo tem a palavra final, mas com o ônus político e argumentativo de se sobrepor a uma decisão judicial.

A separação de Poderes pode ter diferentes arranjos, sendo o controle "forte", em que as decisões legislativas podem ser derrubadas definitivamente pelo Judiciário, apenas um deles. Na forma forte ou na fraca, os dois Poderes são peças relevantes no sistema de freios e contrapesos.

Controle judicial "fraco" também não necessariamente ameaça direitos fundamentais. Pessoas comprometidas com direitos podem discordar sobre qual decisão concreta protege melhor os direitos (por exemplo, tanto argumentos contrários quanto a favor da descriminalização do aborto podem ser feitos utilizando a linguagem de direitos e de proteção de minorias) e qual a melhor instituição para resolver essas discordâncias (se o Legislativo ou o Judiciário).

Afirmar que a PEC não é antidemocrática nem viola cláusula pétrea não significa concluir que ela é desejável. É impossível ignorar que ela surge do conflito entre Congresso e STF em matérias como aborto, maconha e terras indígenas. Para quem se alinha ao STF nesses temas (como eu), a PEC causa apreensão.

Porém, alinhamentos políticos são circunstanciais. Basta pensar nas mudanças pelas quais o STF passaria se Bolsonaro tivesse ganhado a eleição ou na virada conservadora na Suprema Corte dos EUA em temas como aborto e ações afirmativas, o que tem suscitado por lá críticas de progressistas quanto ao caráter antidemocrático daquela instituição.

As questões atuais devem ser pesadas, mas sem impedir discussões complexas sobre por que, na nossa democracia, a elite jurídica deve tutelar a política.

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