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Renato Stanziola Vieira

PEC é risco à democracia

Por trás do discurso contra o 'ativismo', quer-se garrotear a atividade do STF

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Renato Stanziola Vieira

Mestre em direito constitucional (PUC-SP) e doutor em direito processual penal (USP), é presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

"Ativismo judicial" é um termo que não sai de moda. No Brasil, consolidou-se como um rótulo associado a um viés pejorativo, como se a expressão galvanizasse tudo o que o Poder Judiciário não deve fazer.

Nesse contexto, a PEC 08/2021, aprovada na quarta-feira (22) no Senado, se declara como instrumento de controle do que nomeia de "ativismo errático" de ministros do Supremo Tribunal Federal. O ponto de partida retórico (O que é um posicionamento "ativista"? Ativista para quem? E em que matéria?), desmerece a proposta. Uma alteração constitucional supõe tocar em pontos estruturais do país e é algo muito sério para ser levada adiante por arroubos de descontentes com posicionamentos de ministros do STF.

Parlamentares da oposição comemoram a aprovação da PEC no Senado, nesta quarta-feira (22) - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

exagero no uso de decisões monocráticas? Sim. Há fluidez na seriedade da adesão ao princípio processual de colegialidade? Sim. Há temas que não deveriam ser decididos por decisões monocráticas e adquirem eficácia a perder de vista? Sim. Há motivações pouco densas que corroem o sistema? Sim.
Essas preocupações, contudo, não justificam alteração constitucional, pois não se trata de aspectos estruturais do Estado brasileiro. A melhoria do sistema passa por alterações nas leis vigentes, na Lei Orgânica da Magistratura e no regimento interno do Supremo (o que já ocorre) e até nas leis que regem o sistema de controle concentrado de constitucionalidade.

Primeiro, quer-se alterar o artigo 93 da Constituição, que trata do chamado "Estatuto da Magistratura" para, ao lado de aspectos essenciais como fundamentação e publicidade de decisões judiciais, inaugurar modelo de observância de prazos de duração de decisões monocráticas sob pena de perda de eficácia. Matéria de cunho processual, não constitucional. Mais preocupante, ali se misturam dinâmicas política e jurídica ao se aproximar o regime de um pedido de vista não submetido ao plenário do Supremo ao de medidas provisórias.

Já na alteração dos artigos 97 e 102 da Constituição, o breque na atuação do STF é mais nítido, pois se interditam matérias em que pode haver decisão cautelar, em ofensa ao acesso à justiça (art. 5º, XXXV). Ora, não se concebe o bloqueio da jurisdição a depender de quem seja o ente interessado, ou o tema.
A jurisdição constitucional tem funcionamento contramajoritário (o que explica o quórum qualificado no caput do artigo 97 da Constituição vigente, que prestigia a presunção da constitucionalidade dos atos normativos). Mas daí a vetar seu exercício em temas tais e quais vai um abismo, pois não se concebe que haja ato que não possa ser passível de controle.

Dada a curiosa rapidez na tramitação da PEC, parece não estar em jogo a atividade de crítica ao exercício da jurisdição constitucional brasileira, mas algo pernicioso. Por trás do discurso que leva em conta a retórica contra o "ativismo", quer-se garrotear a atividade do tribunal.

As críticas são necessárias ao melhor funcionamento da corte e não há como se discordar dos argumentos de cientistas políticos sérios que há anos apontam os problemas. Mas o oportunismo político no qual galopa a PEC é um perigo à independência na atividade jurisdicional do STF e seus integrantes, do acesso à Justiça e à distribuição de Poderes. Um risco em curso à democracia.

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