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Magno Karl

A privatização e os unicórnios

Esforço estatal deve se concentrar em aperfeiçoar a capacidade regulatória

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Magno Karl

Cientista político e diretor-executivo do Livres

A recente interrupção do fornecimento de energia em São Paulo levou muitos a apontarem a privatização como a grande vilã da história. Tal raciocínio, contudo, compara defeitos reais de uma privatização, de um lado, e uma perfeição idealizada, a gestão pública dos unicórnios, do outro.

A desestatização bem-sucedida exige um ambiente institucional robusto, que forneça ao setor privado a confiança para investir e a liberdade para inovar, enquanto garante à sociedade que os benefícios acordados sejam entregues. Em outras palavras, é preciso segurança jurídica e boa regulação.

Protesto na Assembleia Legislativa de São Paulo contra a privatização da Sabesp - Ronny Santos/Folhapress - Folhapress

A realidade é que a capacidade estatal, seja financeira ou organizacional, é frequentemente insuficiente para sustentar serviços de alta qualidade. Governos que privatizam por incapacidade de prestação de serviços, conforme apontado pelo professor Sérgio Lazzarini, raramente conseguem fornecer uma estrutura crível e bem monitorada para a privatização.

O Brasil, infelizmente, segue esse paradigma. Mais do que uma escolha, a privatização surge como necessidade. O caso do saneamento é emblemático. Mantido por décadas sob monopólio estatal, o setor foi incapaz de avançar, mantendo metade dos brasileiros sem tratamento de esgoto. Uma calamidade social que, curiosamente, não causa a mesma comoção.

A oposição ferrenha às privatizações ignora os danos da gestão estatal ineficiente. A defesa de um Estado provedor, fiscalizador e infalível é uma falácia. A governança de unicórnios, expressão cunhada por Michael Munger, professor da Duke University (EUA), para descrever a crença em um Estado perfeito e onipotente, não passa de uma utopia. A realidade é que o governo, composto por seres humanos falíveis, está sujeito a ineficiências e corrupção.

Nesse cenário, o atraso em reconhecer a privatização como ferramenta da evolução dos serviços públicos nos deixa presos a modelos obsoletos e impede o debate que de fato importa: o aperfeiçoamento institucional da regulação.

Quando uma empresa regulada falha, há uma dupla incapacidade: da empresa operadora, mas também de sua agência reguladora. Se o Estado foi incapaz de regular, por que a estatização, num passe de mágica, o tornaria duplamente capaz, de regular e ainda operar o serviço?

A privatização é uma ferramenta de política pública que, quando bem planejada e monitorada, permite que o setor privado alinhe seus incentivos com os objetivos públicos, assegurando serviços acessíveis a quem deles precisa. A questão central, portanto, não é se devemos privatizar, mas como fazer isso maximizando benefícios sociais.

É tempo de abraçar as privatizações com racionalidade e espírito de otimismo, como aliadas do avanço do serviço público rumo a um futuro capaz de unir qualidade, eficiência e inovação. Para isso, os esforços estatais devem se concentrar no aperfeiçoamento da capacidade regulatória, visando sempre o melhor interesse da população. Com pragmatismo e franqueza, sem unicórnios.

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