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Juliano Maranhão

Inteligência artificial não é a vilã das eleições

Em vez de restringir, melhor caminho é criar mecanismos de transparência

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Juliano Maranhão

Professor da Faculdade de Direito da USP

O debate na imprensa sobre as eleições municipais deste ano elegeu sua nova vilã: a inteligência artificial (IA). Há alarme sobre o uso de IAs generativas para manipulação fraudulenta de áudios e vídeos de candidatos e sobre o direcionamento de conteúdo para persuadir eleitores. Tal alarme levou o Tribunal Superior Eleitoral a propor nova resolução com regras sobre uso de IA por candidatos e partidos políticos.

Mas a IA seria realmente vilã? As ameaças levantadas residem na disponibilização e acesso a conteúdo abusivo nas mídias digitais. Portanto, em primeira linha, o problema está no comportamento malicioso dos candidatos e, em segunda, na eficácia da moderação de conteúdos pelas plataformas. É importante não confundir a regulação da IA com regulação de partidos ou de plataformas digitais.

Imagem ilustrativa mostra propagação de notícias falsas em redes sociais - Sebastian Bozon - 1º.dez.23/AFP - AFP

É verdade que deepfakes gerados por IA potencializam a desinformação, particularmente com conteúdos escandalosos próximos ao dia da votação. Mas o vilão é o manipulador humano, não a máquina.

Por outro lado, a IA pode ser usada por eleitores para obter, resumir e simplificar programas eleitorais ou informações sobre candidatos. E por candidatos para construir o discurso de campanha em múltiplas variações e gerar áudios e vídeos legítimos, com redução de custos em relação à produção humana, favorecendo-se aqueles com menos recursos.

Assim, a IA pode contribuir com o engajamento de eleitores e trazer mais equilíbrio ao campo de disputa, fortalecendo o processo democrático. Além disso, sem auxílio da inteligência artificial para personalizar conteúdos, os eleitores ficariam perdidos em um mar de informações irrelevantes para suas escolhas eleitorais, e a moderação de conteúdo pelas plataformas, inclusive para a integridade do processo democrático, seria impossível.

Assim, em vez de restringir, o melhor caminho é trazer mecanismos de transparência sobre o uso de IA pelos candidatos em suas comunicações, como a introdução de marcadores digitais. Mas, para um ambiente eleitoral saudável, é fundamental que a imprensa evite o sensacionalismo ou abordagens enviesadas que venham a identificar a tecnologia como fraude.

Certamente muitos áudios e vídeos produzidos com IA, desde ajustes como filtros estéticos, cenários de fundo, obter fluidez da fala ou visual empático, até a produção de vídeos e áudios sintéticos com diferentes conteúdos, serão legítimos.

O alarme generalizado pela imprensa pode atingir o alvo errado. Ou candidatos deixarão de usar a tecnologia para fins legítimos, reduzindo o engajamento e equilíbrio entre candidaturas, ou será criado ambiente de completa desconfiança entre eleitores: conteúdos verdadeiros marcados com IA serão identificados como falsos; conteúdos falsos criados sem uso de IA podem ser automaticamente considerados verdadeiros; e candidatos podem descartar fatos reais desabonadores, alegando, ao estilo Trump, uma suposta "fake news".

A preocupação social com o mau uso da tecnologia é bem-vinda e exige regulação dos partidos e candidatos sem ser contra, mas com a cooperação das plataformas para a moderação eficaz de conteúdos.

Contudo, o alarme para uma eleição catastrófica em função da IA pode, em vez de evitar, criar um cenário de desinformação, onde se perderá completamente a referência sobre a verdade, fazendo com que o resultado das eleições se torne uma loteria sombria.

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