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Henrique Zétola e Guilherme Melo de Freitas

Intransparência nacional

Ação de Toffoli pode provocar efeito intimidatório no combate à corrupção

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Henrique Zétola e Guilherme Melo de Freitas

Respectivamente, diretor-executivo e gerente de pesquisa do Instituto Sivis, think tank apartidário focado em valores democráticos

É preocupante a recente determinação do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de investigar a Transparência Internacional por suposta apropriação de recursos públicos recuperados pela Operação Lava Jato. Afinal, "coincidentemente", a decisão do ministro se deu dias após a publicação do relatório da ONG que aborda a percepção da corrupção no Brasil em 2023 que, entre outras coisas, citou diretamente Toffoli por 9 vezes num documento de 27 páginas.

Segundo o relatório, neste ano, o Brasil atingiu a 2° pior colocação da história no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), produzido anualmente desde 1995, ocupando a 104ª posição entre as 180 nações avaliadas pela entidade. Importante lembrar que, nesse ranking, quanto maior a colocação, menor é a percepção da população do grau de corrupção no país.

O ministro Dias Toffoli no plenário do STF, em Brasília - Rosinei Coutinho - 19.dez.2022/STF

Um dos principais motivos para essa repetição tão "insistente" do nome de Toffoli no relatório tem a ver com decisões do magistrado que, no breve intervalo de pouco mais de dois meses, anulou de modo monocrático "todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht e suspendeu multa de mais de R$ 10 bilhões aplicada ao grupo J&F, proprietário da JBS". Considerando o conjunto imenso de evidências apuradas e da grande confissão pública da roubalheira do Petrolão, a decisão do ministro, de saída, parece no mínimo estranha.

No entanto, tudo fica ainda pior quando o relatório menciona claros conflitos de interesses nas referidas decisões: afinal, o ministro "havia sido citado nas delações de Marcelo Odebrecht, e sua esposa advoga para o grupo J&F".

Por suposto, o documento da Transparência Internacional não fala apenas sobre Toffoli. Critica outros pontos, que não são grandes novidades, como os retrocessos das faltas de transparência do governo Jair Bolsonaro, o orçamento secreto e as vergonhosas indicações de Lula Cristiano Zanin e Flávio Dino— ao STF. Inclusive, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, respondeu ao relatório, afirmando que a Transparência "passou dos limites", revelando a "má vontade e a oposição política da ONG a Lula e ao PT".

Ora, uma presidente de um partido rebatendo uma perspectiva crítica de uma organização da sociedade civil é algo bastante razoável do ponto de vista do jogo democrático. Não é o caso do que aconteceu com Toffoli: após receber críticas nominais em um relatório, um ministro do STF formaliza um pedido de investigação à Procuradoria-Geral da República sobre um assunto passado e já investigado contra a organização responsável pelo documento.

Ao que tudo indica, a apuração não vai dar em nada. Porém, isso não é motivo para não apontarmos que ações desse tipo, advindas de um ministro do STF, transmitem sinais demasiado negativos em relação à confiança nas instituições democráticas: afinal, um magistrado de Suprema Corte agindo como ator político preocupado com sua reputação e fora das regras não soa nada bem.

Com sua atitude, Toffoli passa uma mensagem "sutil", que sugere que uma organização que se posicione contra o status quo pode ser alvo de represálias. Isso é extremamente preocupante para a saúde de um sistema democrático, onde a liberdade de expressão e de atuação das organizações da sociedade civil são fundamentais. Afinal, é essencial que o papel das ONGs seja respeitado e valorizado, pois elas desempenham um papel importante de fiscalização e de promoção do interesse público. Nesse sentido, investigar uma organização sem motivações razoáveis é um ato que coloca em risco a liberdade de atuação dessas organizações e enfraquece a democracia como um todo.

Tal ocorrido pode gerar um efeito intimidatório sobre outras ONGs que se dedicam a promover a transparência e combater a corrupção no Brasil, pois, se uma instituição pode ser investigada pelas autoridades simplesmente porque publicou seu relatório anual com críticas a algumas personalidades em evidência, outras organizações podem pensar duas vezes antes de realizar seu trabalho legítimo no país.

Com isso, contribui-se para um indesejável enfraquecimento do combate à corrupção e colabora-se para que, em âmbito nacional, seja perpetuada uma lastimosa intransparência.

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