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Leonardo Isaac Yarochewsky

Saídas temporárias: quando a 'esquerda' se aproxima da 'direita'

A pena privativa de liberdade não existe para atender a reclames emocionais

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Leonardo Isaac Yarochewsky

Advogado criminalista, é doutor em ciências penais pela UFMG

No último dia 20 de fevereiro, o Senado Federal aprovou, pelo placar de 62 votos favoráveis contra apenas 2 contrários, o projeto de lei que prevê o fim da saída temporária de presos, conhecida popularmente e pejorativamente como "saidinha".

A saída temporária está prevista na Lei de Execução Penal para os presos que cumprem pena em regime semiaberto e que já concluíram um sexto da pena, se primário, ou um quarto da pena se reincidente, para visitar a família e frequentar cursos e atividades que concorram para o retorno ao convívio social. É vedada a concessão do benefício em caso de condenado por crime hediondo com resultado morte.

A saída temporária é instrumento de suma importância para os fins de reintegração e ressocialização do preso —que tem no discurso oficial da pena uma de suas finalidades, além da punição.

Pátio para banho de sol do presídio federal no Complexo da Papuda, no Distrito Federal - Pedro Ladeira - 20.dez.2017/Folhapress - Folhapress

A votação no Senado Federal demonstra que, no campo do direito penal e do direito processual penal, "direita" e "esquerda" se confundem em nome do poder punitivo. Constata-se uma redução das garantias processuais penais e uma expansão do direito penal que vai do aumento da criminalização, passa pela elevação das penas e culmina com o encarceramento em massa e (da) massa.

O apelo da mídia e da sociedade por mais segurança e pelo ilusório combate à criminalidade acaba por influenciar e determinar uma política criminal antigarantista e punitivista que contamina a "esquerda" e reforça os ideais da "direita".

O populismo penal —como o slogan da política de tolerância zero, por exemplo— une os discursos dos conservadores de "direita" e das "esquerdas" em vários países, inclusive no Brasil, no que diz respeito ao ilusório combate ao crime. Assim, como já asseverou Luigi Ferrajoli, "o populismo penal se conjuga com o populismo político. Perseguindo e alimentando a insegurança e o medo (...)".

Não é demais martelar que as condições das penitenciárias brasileiras são degradantes e desumanas, o que levou o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, a reconhecer o estado inconstitucional de coisas.

A criminóloga Lola Aniyar de Castro assegura que a realidade na América Latina, nos séculos 20 e 21, caracteriza-se por apresentar os mais elevados índices históricos de violência carcerária. Trata-se de "um barril de pólvora sempre preste a explodir". A construção de novas prisões, comumente proposta como solução para o problema da superpopulação carcerária, levará a mais encarceramento, posto que "mais espaço disponível tem como resultado mais confinamento".

Assim sendo, é preciso reconhecer que a saída temporária funciona, também, como uma válvula de escape para esse "barril de pólvora" sempre prestes a explodir.

Vale relembrar que, não obstante o rigor das leis penais, há o exemplo da famigerada lei dos crimes hediondos, de 1990, que aumentou as penas de vários crimes e reduziu direitos, mas a criminalidade continuou crescente. Daí decorre a conclusão lógica: o acréscimo sistemático das penas, o cerceamento de direitos e garantias e outras medidas de caráter draconiano não implicam, como muitos creem, diminuição da violência e da criminalidade.

Por fim, a sociedade precisa entender de uma vez por todas que não existem remédios milagrosos e soluções mágicas para reduzir a violência e combater a criminalidade. Além das tão faladas medidas sociais (o crime é também uma questão social), é necessário encarar o fato de que o sistema penal não é capaz de absorver toda a criminalidade. A pena privativa de liberdade não pode e não deve ser aplicada indiscriminadamente —nem mesmo para atender a reclames emocionais.

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