Descrição de chapéu
Luiz Fernando Toledo

Transparência esbarra em resistências do governo Lula e na falta de tecnologia

Apesar de avanços, cumprimento da lei é sujeito a interpretações e exceções

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Luiz Fernando Toledo

Pesquisador-visitante na National Endowment for Democracy (NED), em Washington, é mestre em administração pública e governo (FGV-Eaesp) e em jornalismo de dados (Universidade de Columbia)

Como um governo decide quais informações deve divulgar à sua população e quais deve manter em sigilo? Essas decisões são estritamente políticas ou técnicas? Tema geralmente abordado em conversas restritas entre especialistas, a transparência pública ganhou destaque em todo o Brasil nas eleições que tiraram Bolsonaro da Presidência e deram a Lula o seu terceiro mandato.

Durante e após as eleições, Lula acusou o adversário de manter em sigilo centenas de informações por motivos políticos e, assim que eleito, criou uma força-tarefa que revisou boa parte dessas decisões. Exemplos são a divulgação de despesas do ex-presidente no cartão corporativo e contratos de publicidade da Caixa Econômica Federal.

Lula durante o seminário "Transparência e Acesso à Informação: Desafios para uma nova Década", em Brasília - Gabriela Biló - 16.mai.23/Folhapress - Folhapress

Mas quando se trata de transparência sobre o atual governo, os desafios parecem muito mais complexos. O governo federal manteve o entendimento, por exemplo, de que as despesas com o cartão corporativo da Presidência da República devem permanecer sigilosas até o final do mandato. Sabe-se que o próprio Lula, quando presidente nos dois primeiros mandatos, foi o recordista de gastos no cartão, inclusive durante períodos eleitorais.

A transparência entre as Forças Armadas, especialmente, tem sido um desafio particular para o atual governo. Desde que a LAI (Lei de Acesso à Informação) foi promulgada, o Exército tem sido uma das instituições federais que mais colocam em sigilo ou dificultam o acesso a suas informações. Exemplo disso é a reiterada resistência em divulgar informações detalhadas de quem são os "mortos fictos" da corporação —militares que foram expulsos de seus quadros, muitas vezes por terem cometido crimes graves e que, mesmo assim, adquiriram o direito de atribuir pensões a esposas e filhos.

Em entrevista a este pesquisador em novembro de 2023, a secretária nacional de Acesso à Informação, Ana Túlia de Macedo, disse que um dos papeis do novo governo é mudar a mentalidade dos órgãos públicos sobre a importância de dar maior abertura aos dados. "Para o Exército, por exemplo, estamos falando de revelar situações que mostram fragilidades. Mas esses dados também podem mostrar que o comando das Forças Armadas executa as punições de forma adequada. Quando o gestor é obrigado a divulgar informações, ele também precisa pensar no motivo que o levou a tomar uma decisão. É como um processo psicanalítico", afirmou.

Por se tratar de um regramento relativamente novo —a Lei de Acesso foi regulamentada em 2012 no Brasil— há também um período de adaptação e aprendizado para os órgãos públicos. Existem muitos documentos que nunca foram digitalizados ou pensados em um formato adequado para divulgação.

Outra preocupação é o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que deixou servidores com receio de que, ao divulgarem um documento, possam estar violando a privacidade de indivíduos.

Todos os famosos casos de "cem anos de sigilo" que se popularizaram ao longo do governo Bolsonaro caem nessa situação. Se um indivíduo foi multado pelo Estado por cometer infração ambiental, por exemplo, essa informação deve ser considerada pública ou pessoal? Nesse sentido, houve pouca diferença quantitativa entre Bolsonaro e Lula —a quantidade de pedidos de informação negados sob alegação de que as informações são pessoais seguiu, em 2023, proporção semelhante à de 2022.

Após um ano de mandato, são visíveis as mudanças trazidas pelo novo governo Lula na área da transparência —foram criadas novas estruturas dentro da Controladoria-Geral da União, publicadas alterações no decreto da LAI e uma série de pareceres para garantir que certas informações sempre serão publicadas.

Nada disso, no entanto, garante o cumprimento da lei, sempre sujeita a interpretações e exceções. Caberá a nós, como sociedade civil, continuar monitorando os passos dessas novas estruturas (e também antigas) e exigir que informações que mais nos interessam sejam divulgadas.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.