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Edson Luiz Sampel

A igreja do papa Francisco e a 61ª Assembleia da CNBB

Catolicismo no Brasil ainda trilhará longo percurso até a plena igualdade entre os fiéis

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Edson Luiz Sampel

Teólogo, é professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina


O papa Francisco envida esforços imanes na remodelação da Igreja Católica. Ele não quer criar nada; anseia tão somente torná-la mais próxima da vontade fundacional de Jesus Cristo. Podemos também asseverar que o pontífice se estriba completamente nos princípios do Concílio Vaticano 2º e, com isso, também se aproxima do Cristo histórico.

O atual sucessor de São Pedro fustiga uma igreja clerical, frisando constantemente que o batismo é o sacramento fundamental, que iguala todos os seus membros. Nesse diapasão, os leigos ou católicos comuns vêm ocupando postos importantes no governo da igreja, principalmente na cúria romana, coadjuvando os padres, os quais passam a dispor de mais tempo para as tarefas sacramentais.

O papa Francisco acena de uma varanda na praça de São Pedro, no domingo de Páscoa (31), no Vaticano - Remo Casilli/Reuters - REUTERS

As pessoas casadas em segundas núpcias, que antanho não podiam comungar, agora podem, depois de certo discernimento pastoral caso a caso, conforme a exortação apostólica "Amoris Laetitia", exarada em 2016. No presente pontificado, os pares gays obtiveram direito líquido e certo à bênção, nos termos da declaração "Fiducia Supplicans", emanada em dezembro do ano passado. As mulheres, talvez dentro em breve, possam ser ordenadas diaconisas. Mas o sumo pontífice não está forjando nova doutrina; trata-se de autêntico aprofundamento nos ditames do Evangelho. Em nenhum momento restou vulnerado qualquer dogma.

Francisco, como nenhum outro bispo de Roma, tem combatido vorazmente a praga da pedofilia, expulsando padres e bispos que cometerem esse hediondo delito (cânon 1398 do Código Canônico atualizado em 2021).

Nada obstante, a resistência ao pontífice romano é voraz, também por parcela da hierarquia. Muitos eclesiásticos (e leigos também!) bajulam Francisco com inúmeros salamaleques, porém gostariam mesmo é de vê-lo bem longe do sólio petrino. No fundo, é a liça pelo poder, incompatível com a ética cristã, malgrado tal vezo intoxicar o grêmio da igreja desde os albores.

Pensando exatamente na nova abordagem do exercício do poder que o papa Francisco tem inculcado, a qual se traduz na corresponsabilidade entre todos os membros da Igreja Católica (os batizados), a Comissão Especial de Direito Canônico da 116ª Subseção da OAB-SP encaminhou um ofício a dom Jaime Spengler, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), sugerindo uma mudança relevantíssima no recém-promulgado estatuto canônico da conferência episcopal.

Deveras, o estatuto não prevê a participação dos leigos (católicos comuns) na assembleia geral, órgão de governo da CNBB que, entre outros assuntos, delibera acerca de questões pastorais do dia a dia dos fiéis (por exemplo, os tão polêmicos textos das últimas edições da Campanha da Fraternidade). O alvitre da comissão, para eventual exame neste mês, na 61ª Assembleia da CNBB, diz respeito precisamente à emenda do estatuto, com a convocação compulsória de um grupo de leigos, de várias regiões do país, para serem ouvidos durante a realização da assembleia.

É simplesmente incompreensível que o evangélico exemplo do papa, outorgando direito de voto a leigos no Sínodo da Sinodalidade ora em curso, não seja emulado pelo novel ordenamento jurídico da CNBB! Esclareça-se que o sínodo é evento que, originalmente, congrega apenas bispos.

A igreja no Brasil trilhará longo percurso até que um dia o clericalismo seja lancetado do coração de clérigos e leigos, em prol da plena igualdade entre os fiéis, injunção de Jesus e sonho do papa Francisco.

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