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Gustavo Faibischew Prado

Cigarro eletrônico não é opção para quem quer parar de fumar

Estudos têm graves fragilidades metodológicas, e há risco de uso concomitante

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Gustavo Faibischew Prado

Coordenador da Comissão de Câncer da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, é médico pneumologista com doutorado na USP; coordenador da Pneumologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), chamados popularmente de vapes e e-cigs, de comercialização proibida no Brasil desde 2009, são atualmente considerados um problema de saúde pública global.

Sob a alegação de serem supostamente menos nocivos por não envolver combustão do tabaco, e cuidadosamente desenhados para serem agradáveis aos olhos e disponíveis numa infinidade de aromas e sabores, os DEFs vêm sendo dirigidos prioritariamente ao público jovem, contornando as barreiras criadas ao longo de décadas de políticas de conscientização sobre os riscos do consumo do cigarro convencional. No Brasil, apesar da proibição, a prevalência do uso desses dispositivos foi estimada em 6,7%.

Homem fuma cigarro eletrônico em sua casa, em Curitiba (PR) - Leticia Moreira/Folhapress

O que já sabemos sobre os vapes é que a maioria tem na composição altíssimas concentrações de nicotina —modificada para se tornar muito mais rapidamente absorvida. Assim, eles causam dependência e, provavelmente, até mais que os cigarros convencionais. Mas os problemas não se restringem à nicotina: há uma variedade de aditivos, além de substâncias tóxicas derivadas do aquecimento e oxidação dos e-liquids e metais advindos da resistência e das baterias.

Embora não tenhamos dados de longo prazo sobre o uso desses dispositivos, já sabemos sobre os danos causados à saúde mesmo por curtos períodos de consumo, como alterações cardiocirculatórias, queimaduras na face, tosse e a "Evali": acrônimo, em inglês, para "injúria pulmonar aguda associada aos cigarros eletrônicos".

Na maior compilação já publicada sobre os riscos associados ao uso de vapes, pesquisadores da Universidade da Califórnia realizaram uma revisão de mais de uma centena de trabalhos e constataram que não há diferença entre cigarros convencionais e e-cigs no risco do desenvolvimento de doenças cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), distúrbios metabólicos e doenças orais. Há apenas uma diferença modesta em favor dos DEFs no risco de asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), recaindo sobre essas o fato de que talvez ainda não tenhamos tempo suficiente de acompanhamento para enxergar os efeitos crônicos dos cigarros eletrônicos.

Sob a premissa pouco sustentável de que poderiam servir como tratamento para cessação do tabagismo, alguns estudos avaliaram o efeito da oferta desses dispositivos para fumantes. Além de graves fragilidades metodológicas, os trabalhos evidenciaram dois fenômenos preocupantes: a migração dos cigarros para os vapes e o consumo dual, ou seja, a concomitância do uso dos cigarros comuns e e-cigs.

A última linha argumentativa dos defensores dos cigarros eletrônicos ampara-se no conceito, até hoje não comprovado, de "redução de danos", mas as evidências mostram o contrário: o uso concomitante de DEFs e cigarros comuns (comparados aos cigarros, isoladamente) eleva em média de 20% a 25% o risco de doença cardiovascular, AVC, asma, distúrbios metabólicos e doenças da cavidade oral —e, em mais de 40%, o risco de DPOC. Ou seja, uma verdadeira adição de danos.

Cigarros eletrônicos não são seguros, induzem dependência e não servem como tratamento de cessação do tabagismo. Provocam adoecimento e óbitos e sabotam os esforços das nossas políticas nacionais de controle de tabagismo, reconhecidas mundialmente como um modelo exitoso diante do maior fator de risco evitável de mortes no mundo.

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