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Luiz Fernando Casagrande Pereira

Os mandatos coletivos no Legislativo devem ser regulamentados? NÃO

Não resolvem a crise de representatividade; experiências mapeadas até agora se revelam duvidosas

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Luiz Fernando Casagrande Pereira

Advogado, é mestre e doutor em direito (UFPR) e ex-coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)

As candidaturas e os mandatos legislativos coletivos surgiram como uma inovação nas últimas eleições, apresentando-se como alternativa ao modelo tradicional de representação política.

A ideia é dar conta de uma apontada crise de representatividade, a partir de outro arranjo institucional. Na origem, a ideia é apresentar candidaturas coletivas para representar grupos minoritários, sub-representados, com pautas identitárias. O eleitor vota em grupo de pessoas, que divide a representação popular, embora legal e formalmente apenas um candidato se eleja e exerça o mandato.

É necessário dizer que as experiências mapeadas até o momento se revelam duvidosas, com mudanças nas formações original, rompimentos e dificuldades para as deliberações coletivas.

As esporádicas experiências internacionais vagamente semelhantes também não prosperaram. Na Suécia, o Partido Democracia Experimental ganhou um assento em 2002 e passou a fazer fóruns online com os cidadãos para embasar a atuação de uma vereadora. Sem sucesso na reeleição, o partido foi reformulado e nunca mais elegeu ninguém. De forma semelhante, na Austrália, há um tempo o partido Online Direct Democracy utilizou a consulta online como ferramenta para decisões, mas também não obteve grande apoio popular. Isso demonstra que, embora vendam inovação, esses arranjos acabam se mostrando inconsistentes.

Ainda assim, não há nenhum problema que um grupo de mulheres negras, por exemplo, "despersonalize" a candidatura para que o voto seja dado a um "coletivo". Se isso é bom ou é ruim, é algo que deve ficar apenas com o eleitor. O sistema brasileiro não veda a alternativa. O Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, desde 2021 reconhece o movimento e deu contornos normativos às candidaturas coletivas, autorizando o uso na urna em conjunto com o nome do candidato, do nome do grupo ou coletivo social (resolução nº 23.675/2021).

Até aí, tudo bem. Para além disso, a regulamentação é disfuncional.

A Constituição Federal reconhece um rol de prerrogativas dos parlamentares, indispensáveis ao exercício do mandato —como a imunidade parlamentar, para dar apenas um exemplo (art. 53). Parece impensável que essa imunidade possa ser estendida indefinidamente a todos os membros do "coletivo" —alguns maiores, outros menores.

A Bancada Ativista, grupo eleito para a Assembleia Legislativa de São Paulo, por exemplo, apresentava-se com nove "codeputados". Esses nove "codeputados" perderiam o mandato por quebra de decoro de um deles? Haveria uma quebra de decoro coletiva? A responsabilidade política é individual e parece não fazer sentido entregar poder a um grupo imune aos controles próprios do sistema democrático. São alguns exemplos, entre tantos, que mostram a enorme dificuldade em redesenhar o sistema eleitoral vigente.

Os mandatos legislativos coletivos podem continuar a existir como arranjos eleitorais, dentro da autonomia dos partidos políticos, nos termos já reconhecidos pelo TSE. No entanto, uma radical mudança do sistema eleitoral brasileiro para amparar uma experiência de questionável eficácia parece não fazer sentido. A solução da crise de representatividade, no Brasil e no mundo, não passa pelos "mandatos coletivos regulamentados".

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