Leitoras discutem o aborto clandestino em encontro com jornalista Gabriela Mayer

Integrantes da Comunidade Todas no WhatsApp participaram de conversa sobre o livro 'O Acontecimento', de Annie Ernaux, nesta segunda (6)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O direito ao aborto é garantido pela Constituição francesa desde março de 2024. O livro "O Acontecimento", da francesa Annie Ernaux, Nobel de Literatura em 2022, narra um aborto clandestino realizado pela autora na década de 1960. A obra foi objeto de leitura coletiva das integrantes da comunidade Todas no WhatsApp e rendeu um encontro com a jornalista da Folha e crítica literária Gabriela Mayer nesta segunda-feira (6).

Annie Ernaux recebe o Nobel de Literatura em 2022 (Foto: Andrea Renault/AFP) - AFP

O debate virtual girou em torno das memórias de Ernaux, que resgata em sua escrita também o contexto social em que viveu, mostrando o aborto, especialmente o clandestino, como um evento violento e solitário vivido pelas mulheres. A autora é considerada uma pioneira no estilo da autoficção.

Gabriela Mayer aponta para a importância da linguagem, uma vez que a autora se preocupa em não utilizar termos como "aborto" e "gravidez" e se distancia de um vínculo com o feto ao longo de seus diários recuperados no livro. Para ela, a clandestinidade também furta das mulheres a possibilidade de nomear suas experiências, além de impedir que se conectem e apoiem.

Em passagem final da obra, a autora fala sobre eliminar a culpa em torno do ''acontecimento'' ao escrever sobre ele.

"Para além de todas as razões sociais e psicológicas que pude encontrar naquilo que vivi, existe uma da qual estou mais certa do que tudo: as coisas aconteceram comigo para que eu as conte", escreve. "O que ela faz de melhor pelo feminismo é bancar o desejo de escrever", diz a jornalista Janaína Castro, 43.

Ao longo do livro também há demonstrações de uma diferença de tratamento a mulheres de diferentes classes sociais, especialmente em ambientes hospitalares: Ernaux relata ter sido maltratada pelo médico residente ao chegar com um quadro hemorrágico ao hospital.

Captura de tela mostra participantes de encontro virtual de leitura
Leitoras da comunidade Todas no WhatsApp se reúnem para discutir o livro "O Acontecimento" de Annie Ernaux com a presença de Gabriela Mayer - Reprodução

Gabriela Mayer aponta que Ernaux é uma "trânsfuga de classe" e mudou o patamar intelectual de sua família, experiência perceptível em sua escrita quando narra episódios como este.

Além disso, a violência refletida no tratamento à mulher que sofre complicações em decorrência de um aborto foi entendida pelas leitoras como negligência ao corpo feminino. Para a médica Carolina Almeida, 30, as mulheres não são amparadas nem pela lei nem pelos médicos –que deveriam, por ética, atendê-las adequadamente em qualquer contexto.

As leitoras falam da grandiosidade do debate gerado e como os temas do aborto clandestino e da violência aos corpos das mulheres suscitaram reflexões e angústias. "O livro é curto [74 páginas], mas diz mais que muitos calhamaços por aí", afirma Lina Freitas, 34, professora de história.

O debate virtual foi o segundo de uma série de leituras coletivas proposta pelas participantes da comunidade.


A comunidade Todas no WhatsApp é uma iniciativa da Folha para conectar leitoras, assinantes ou não, entre si e com a Redação. Para participar dos grupos de conversa preencha este formulário ou escreva para interacao@grupofolha.com.br informando nome completo, idade, cidade e assuntos de interesse.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.