Pressão em Moro cresce no STF e no Congresso por sua atuação após prisão de hackers

Ministros e parlamentares avaliam que ministro extrapolou suas funções ao quebrar sigilo de operação da PF

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Brasília

O envolvimento do ministro da Justiça, Sergio Moro, nos desdobramentos da Operação Spoofing, que prendeu quatro supostos hackers nesta semana, reacendeu a pressão de alas do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso para que os dois Poderes deem resposta à atuação do ex-juiz da Lava Jato.

A avaliação de ministros da corte e de parlamentares da cúpula da Câmara e do Senado é a de que Moro extrapolou os limites de sua competência como ministro de Estado ao indicar que teve acesso a dados de uma investigação sigilosa da Polícia Federal.

A suposta quebra do sigilo do inquérito e o possível abuso de autoridade de Moro tornaram-se eixos de um processo de desestabilização.

Em conversas reservadas, políticos e magistrados dizem que a permanência do ministro no governo de Jair Bolsonaro (PSL) ficou insustentável e defendem que ele se afaste do cargo até a conclusão das investigações.

"Moro está confundindo de vez o papel do juiz com o de ministro. Diferentemente do que disse na Câmara, de que acompanhava a investigação apenas como vítima, ele deu sinais de que comanda a investigação ao violar seu sigilo [da investigação]. A lei de abuso de autoridade está na berlinda", disse à Folha o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL).

Há uma discussão em curso para convocar o ministro, tão logo acabe o recesso parlamentar, a dar explicações ao Congresso sobre o seu acesso ao inquérito. A ideia é que Moro seja provocado a responder como e em quais condições obteve a lista de autoridades hackeadas —uma vez que, na condição de ministro, ele não poderia ter ingerência sobre investigações da PF.

Parte dos congressistas também defende a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a atuação de Moro e cobrar que ele diga, claramente, se viu o conteúdo das mensagens hackeadas.

Integrantes da base do governo no Congresso dizem, no entanto, que Moro apenas cumpriu seu papel como ministro da Justiça e, consequentemente, comandante da Polícia Federal. 

"Moro agiu motivado por excesso de cautela e zelo. Ao tomar conhecimento de que autoridades de todos os Poderes haviam sido vítimas, o ministro expressou sua preocupação", disse à Folha o senador Major Olímpio (SP), líder do PSL na Casa.

No Supremo, a avaliação é a de que, mais cedo ou mais tarde, o tribunal terá que se manifestar sobre a atuação de Moro —seja no caso da Spoofing ou à frente dos processos da Lava Jato em Curitiba.

Magistrados lembram que a corte pretende retomar, nos primeiros dias de agosto, assim que acabar o recesso do Judiciário, o julgamento da alegada suspeição de Moro no julgamento do caso do tríplex de Guarujá (SP), que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão.

Políticos e magistrados ouvidos pela Folha na condição de anonimato disseram que, ao entrar em contato com autoridades para informá-las que estavam na lista de alvo dos ataques, o ministro invocou para si superpoderes e, de acordo com um parlamentar, criou uma relação de chantagem implícita com o mundo político e jurídico.

Na quinta (25), depois de Moro avisar autoridades vítimas de hackers que as mensagens capturadas pelo grupo preso pela Polícia Federal seriam destruídas, os presidentes do Supremo, ministro Dias Toffoli, e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), demonstraram incômodo com a abordagem do ministro.

Os dois relataram a aliados que, diante da gravidade do caso, Moro deveria ter usado a via institucional para comunicar formal e oficialmente. A maneira como Toffoli e Maia foram contatados e o imediato vazamento das conversas causaram incômodo generalizado no Supremo e no Congresso.

Logo após as ligações de Moro, discutiu-se a possibilidade de os partidos de centro se unirem à oposição para ingressar com uma ação no Supremo contra a eventual destruição das mensagens captadas pelos hackers. Ficou decidido, então, que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) faria a representação à corte. 

Nesta sexta (26), em petição endereçada ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, a OAB solicita que ele não autorize a destruição das provas.

No documento, o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, diz que a indicação de Moro de que as mensagens seriam destruídas "atenta contra a competência do Supremo Tribunal Federal", "que pode eventualmente ser chamado a apreciar os fatos, uma vez que há possíveis autoridades atingidas pela invasão sujeitas a prerrogativa de foro, como no caso de ministro do Superior Tribunal de Justiça".

Moro telefonou para o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio Noronha, para comunicar que ele estava na lista dos alvos do grupo preso na última terça (23) e que as mensagens capturadas seriam destruídas.

Noronha afirmou à Folha que a informação foi dada pelo próprio ministro por telefone. A comunicação foi confirmada à reportagem pela assessoria de Moro. ​

O descarte de qualquer material apreendido em operações policiais é uma decisão que cabe à Justiça e só pode ocorrer com decisão do juiz.

O gesto de Moro provocou reação imediata. A Polícia Federal afirmou, por meio de nota, que caberá à Justiça, "em momento oportuno, definir o destino do material" apreendido na operação.

Também nesta sexta, o PT e o PDT ingressaram com ações no STF contra Moro. O documento dos petistas é assinado pela presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), e pelos líderes da sigla na Câmara e no Senado, Paulo Pimenta (RS) e Humberto Costa (PE).

Eles classificam como espantoso o fato de "o ministro da Justiça ter acesso a dados de uma investigação sigilosa recém-instaurada pela Polícia Federal".

O PT diz que o ex-juiz cometeu crime de abuso de autoridade e de violação de sigilo funcional, além de querer destruir provas da Spoofing.

"Por estar à frente do Ministério da Justiça e não mais na cadeira de juiz, Sergio Moro não possui qualquer ingerência sobre investigações da Polícia Federal. Moro agiu em flagrante abuso de autoridade."

"A medida de aniquilamento de provas colhidas no contexto de uma investigação não pode ser tomada pelo ministro da Justiça, autoridade do Poder Executivo", diz a ação do PDT, que tem o ex-ministro Ciro Gomes como um dos advogados que a subscrevem.

ENTENDA A OPERAÇÃO

Qual o resultado da operação da PF? Nesta terça (23), quatro pessoas foram presas sob suspeita de hackear telefones de autoridades, incluindo Moro e Deltan. Foram cumpridas 11 ordens judiciais, das quais 7 de busca e apreensão e 4 de prisão temporária nas cidades de São Paulo, Araraquara (SP) e Ribeirão Preto (SP). Os quatro presos foram transferidos para Brasília, onde prestariam depoimento à PF

As prisões têm relação com as mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava Jato divulgadas desde junho pelo site The Intercept Brasil? Walter Delgatti Neto, um dos suspeitos presos na operação de terça, afirmou em depoimento que encaminhou as mensagens que obteve ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site, de forma anônima, voluntária e sem cobrança financeira. Não há até agora indício de que tenha havido pagamento pelo material divulgado, segundo investigadores.

Como a investigação começou? O inquérito em curso foi aberto em Brasília para apurar, inicialmente, o ataque a aparelhos de Moro, do juiz federal Abel Gomes, relator da Lava Jato no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), do juiz federal no Rio Flávio Lucas e dos delegados da PF em São Paulo Rafael Fernandes e Flávio Reis. Segundo investigadores, a apuração mostrou que o celular de Deltan também foi alvo do grupo.

Quando Moro foi hackeado? Segundo o ministro afirmou ao Senado, em 4 de junho, por volta das 18h, seu próprio número lhe telefonou três vezes. Segundo a Polícia Federal, os invasores não roubaram dados do aparelho. De acordo com o Intercept, não há ligação entre as mensagens e o ataque, visto que o pacote de conversas já estava com o site quando ocorreu a invasão

O conteúdo das mensagens será destruído, como chegou a afirmar Moro? Para especialistas ouvidos pela Folha, uma decisão nesse sentido cabe apenas ao juiz responsável pelo caso. O professor de direito processual penal da PUC-SP Cláudio Langroiva diz que o magistrado pode optar por manter todo esse material intacto e sob sigilo até que o processo tenha uma decisão final. Esses materiais, por exemplo, podem ser úteis tanto à acusação quanto à defesa ao longo de uma eventual ação penal. Outra possibilidade é o Ministério Público pedir o descarte de parte dessas provas antes da sentença, desde que ela já tenha sido periciada e que uma parcela de informações básicas continue armazenada

O que disse o principal suspeito no depoimento? Walter Delgatti Filho disse à Polícia Federal que obteve o contato do jornalista Glenn Greenwald por meio da ex-deputada Manuela D'Ávila (PC do B) e que não editou as mensagens de membros da Lava Jato antes de repassá-las.

Delgatti disse que o primeiro hackeamento que fez foi do promotor Marcel Zanin Bombardi, de Araraquara (SP), que o havia denunciado sob suspeita de tráfico de medicamentos de uso controlado. Na conta do Telegram do promotor, o preso diz ter encontrado um grupo formado por procuradores da República. Na agenda de um deles, o preso conseguiu acesso à conta no Telegram do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). Mais adiante, o caminho até a conta de Deltan Dallagnol passou ainda pelos números do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e do ex-procurador-geral Rodrigo Janot.

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