Oito procuradores-gerais da República chefiaram o Ministério Público Federal desde a Constituição de 1988. A atuação de cada um variou de acordo com a concentração de poder (e de processos em seu gabinete) e com o grau de independência ou submissão em relação a quem os nomeou.
Nesta quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) decidiu indicar nesta quinta-feira (5) o subprocurador-geral Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República, em substituição a Raquel Dodge, cujo mandato de dois anos termina no próximo dia 17. Ela poderia ser reconduzida, mas acabou preterida na disputa.
A partir da redemocratização, o Ministério Público Federal foi comandado pelos seguintes procuradores-gerais: Sepúlveda Pertence (1985/1989); Aristides Junqueira (1989/1995); Geraldo Brindeiro (1995/2003); Cláudio Fonteles (2003/2005); Antonio Fernando (2005/2009); Roberto Gurgel (2009/2013); Rodrigo Janot (2013/2017) e Raquel Dodge.
Sepúlveda Pertence foi nomeado pelo então presidente José Sarney (MDB), sendo o único PGR depois da redemocratização do país que não integrava a carreira do Ministério Público Federal.
Ele havia sido membro do Ministério Público do Distrito Federal, aposentado compulsoriamente em 1969, com base no AI-5 —depois, presidiu o STF (Supremo Tribunal Federal) de 1995 a 1997.
Rodrigo Janot e Roberto Gurgel foram presidentes da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), entidade que, neste século, faz uma eleição na categoria e indica uma lista tríplice dos mais votados ao presidente da República (embora não haja obrigação legal de ele obedecê-la).
Aristides Junqueira foi indicado por Sarney em 1989, já na vigência da nova Constituição, que alterou a organização do Ministério Público.
Ele denunciou o presidente seguinte, Fernando Collor de Mello, sob a acusação de formação de quadrilha e corrupção. O episódio ampliou a visibilidade e a popularidade ao Ministério Público —apesar da absolvição posterior de Collor.
Em análise sobre o órgão, Eugênio Aragão, ex-subprocurador-geral da República e ex-ministro da Justiça no governo Dilma Rousseff (PT), considera que a denúncia contra Collor revelou uma tendência menos propositiva e mais “justiceira” do Ministério Público.
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) nomeou Geraldo Brindeiro contra a vontade da ANPR. “A oposição ao procurador-geral logo se converteu em oposição ao governo que o escolheu, o que levou à politização da atuação do MPF", avalia Aragão.
Na época, um dos embates envolveu o procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza, que questionou 451 contratos firmados sem licitação envolvendo a AGU (Advocacia Geral da União), comandada então por Gilmar Mendes, hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
O procurador questionou o fato de subordinados da AGU fazerem cursos, à custa do erário, no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), do qual Gilmar é sócio fundador.
Gilmar havia sido procurador da República e, com sua nomeação para advogado-geral da União no governo FHC, o Ministério Público Federal assou a ter um novo concorrente de peso com a advocacia pública. O ministro "conhecia bem sua instituição de origem e passou a confrontá-la severamente", afirma Aragão.
Brindeiro arquivou inquéritos contra aliados de FHC e ficou com a imagem de "engavetador-geral". Foi questionado por avocar a decisão sobre suspeitas de benefícios a pessoas próximas ao tucano e pedir o arquivamento do inquérito sobre a chamada "pasta cor de rosa", que teria supostas provas de movimentações financeiras irregulares.
Para a categoria, promoveu aumento de ganhos e ampliou a estrutura física do Ministério Público no país.
Seu sucessor, Cláudio Fonteles, liderou a primeira lista tríplice da ANPR. Franciscano leigo da fraternidade de S. Francisco de Assis, foi membro da AP (Ação Popular), movimento estudantil ligado à esquerda católica que comandou a UNE na década de 60.
Nomeado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fonteles apagou os holofotes do procurador Luiz Francisco e passou a ser voz única no Ministério Público Federal. Foi criticado por desarticular o primeiro grupo voltado à investigação de lavagem de dinheiro e cooperação penal internacional.
Alguns membros do Ministério Público Federal e queixam de terem sido obstados a ir atrás de indícios de problemas no governo Lula. Fonteles não tentou a recondução ao cargo.
Ele foi sucedido por Antonio Fernando, que também encabeçou a lista tríplice da ANPR. Diante do caso do mensalão no governo petista, foi assessorado por procuradores criminais, já que não era dessa área.
O PGR deixou Lula fora da denúncia. A acusação de quadrilha descrita na peça acusatória não convenceu o STF e viria a ser exposta anos depois na Lava Jato.
A gestão de Roberto Gurgel foi marcada pela concentração de processos no gabinete do PGR. As ações penais envolvendo políticos costumavam ser divididas entre Gurgel e sua mulher, a subprocuradora-geral Cláudia Sampaio, cuja experiência nessa área é reconhecida.
Numa das ações do Banestado, bilionária lavagem de dinheiro no Paraná, a PGR levou um ano e três meses para emitir um parecer. Antes de encerrar o segundo mandato no cargo, Gurgel fez uma limpeza nas gavetas, devolvendo processos ao STF. O caso do mensalão pode ter represado as ações.
Nomeado já sob Dilma Rousseff (PT), Rodrigo Janot, também o mais votado na lista tríplice, sugeriu criar um “cartório” no gabinete para organizar e controlar a entrada e a saída de processos em ordem cronológica.
“O cargo exige uma dedicação que não permite mais essa concentração. Temos colegas preparados que podem contribuir para a fluidez desses serviços”, afirmou Janot.
Quando assumiu a PGR, Janot formou em seu gabinete um grupo de procuradores, sete com experiência na área criminal, para eliminar o estoque de processos acumulados por Gurgel.
Quando disputou a recondução ao cargo, Janot foi criticado pelos pares por haver contratado uma empresa privada de relações públicas.
Ao comentar suas expectativas em relação a Raquel Dodge, nomeada PGR por Michel Temer (MDB), Janot voltou a tratar da concentração de poder.
“Eu tenho facilidade para delegar. (...) E, pelo que conheço dela, não tem essa facilidade de delegar, é uma pessoa que concentra mais. Isso não é erro. Tenho uma maneira de trabalhar, ela tem outra. Não me preocupo de ela mexer ou alterar [investigações em curso]. De ela engavetar me preocupo, sim. É lógico que vou me preocupar. Não acredito nisso.”
Janot deixou o cargo desgastado pelas polêmicas envolvendo a delação da JBS e embates com Michel Temer e Gilmar Mendes.
O último procurador-geral da República nomeado pela ditadura militar foi Inocêncio Mártires Coelho. Ex-consultor jurídico do general Golbery do Couto e Silva, ministro chefe da Casa Civil (1974-1981), foi nomeado em 1981 por João Figueiredo (1979-1985).
Coelho foi presidente do Instituto Brasiliense de Direito Público, ligado ao ministro Gilmar Mendes. Mendes e Coelho se desentenderam em 2010. O processo, sigiloso, foi extinto.
A gestão de Coelho na PGR permite imaginar o clima de expectativa no Ministério Público Federal nos anos que antecederam a aprovação da Constituição Federal de 1988.
Ele foi acusado de atender a interesses políticos eleitorais. Procuradores da República pediram o afastamento de Coelho, insatisfeitos com sua atuação na investigação do desvio de verbas do Banco do Brasil em Floresta (PE) —o chamado “escândalo da mandioca”.
O procurador Pedro Jorge de Melo e Silva ofereceu denúncia contra servidores, policiais, fazendeiros e políticos. Recebeu ameaças de morte e foi assassinado, em 3 de março de 1982.
Pedro Jorge é reverenciado como protomártir no Ministério Público Federal. Um auditório na PGR leva o seu nome.
Inocêncio Mártires Coelho permaneceu no cargo até o final do governo Figueiredo, em 1985.
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