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Passivo tucano é fardo para Doria, mas mudar de partido é custoso demais

Máquina e capilaridade são vantagens que compensam desgaste para o presidenciável

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São Paulo

As agruras éticas do PSDB se tornaram um problema para João Doria pavimentar seu caminho do Palácio dos Bandeirantes para a disputa presidencial em 2022.

O tucano parecia estar com o dia ganho na política nesta terça (21), após costurar a saída de seu secretário de Saúde em plena pandemia para a data programada para o início da vacinação experimental contra o novo coronavírus em São Paulo.

Doria mostra vacina contra a Covid-19 que começou a ser testada nesta terça (21)
Doria mostra vacina contra a Covid-19 que começou a ser testada nesta terça (21) - Nelson Almeida/AFP

A óbvia positividade da agenda da Coronavac, a ser testada num convênio entre a fabricante chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, deixou em segundo plano a saída de José Henrique Germann —de resto sendo negociada há quase um mês.

Mas enquanto as fotos eram tiradas, em Brasília a Polícia Federal tentava fazer uma busca no gabinete de um ícone do tucanato paulista, o senador José Serra. O empresário José Seripieri Filho, o Júnior da Qualicorp de tantas boas relações políticas, era preso na operação.

Serra já havia sido alvo de uma operação, não de cunho eleitoral mas sim sobre lavagem de dinheiro, no começo do mês. Na semana passada, foi a vez de outro ex-governador paulista pelo PSDB, o longevo Geraldo Alckmin, de ser acusado de caixa dois.

A Doria, sobrou o óbvio: defendeu que as investigações sobre os casos continuassem, presumindo a inocência dos correligionários, e bola para a frente.

Mas entre seus auxiliares e aliados já há quem questione qual será o preco a ser cobrado pela acelerada decomposição de imagem do PSDB enquanto Doria prepara sua candidatura presidencial.

O partido, que fracassou em retomar o poder federal em sua briga duopolista com o PT ao longo dos anos Lula e Dilma (2003-2016), acabou sendo preterido como alternativa à esquerda em favor do fenômeno Jair Bolsonaro em 2018.

Na raiz do problema, o fato de sua estrela maior, o hoje deputado Aécio Neves (MG), ter caído da condição de quase presidente eleito em 2014 para flagrado em um áudio escabroso no qual pedia dinheiro a um empresário, Joesley Batista —que quase derrubou o então presidente Michel Temer (MDB) de troco em 2017.

Outros nomes do tucanato histórico foram se perdendo nas páginas policiais, como os ex-governadores Marconi Perillo (GO) e Eduardo Azeredo (MG, que deixou a sigla). As baterias do aparato judicial-policial se voltaram para as antigas suspeitas sobre negócios do setor rodoviário em São Paulo.

Auxiliares de Doria já se preparam para o que consideram uma temporada de denúncias contra tucanos de diversas plumagens. Otimistas acreditam em um processo depurativo para 2022, enquanto pessimistas veem um fardo.

Durante anos, o PT se queixava de seletividade da Lava Jato e congêneres. O argumento fica menos defensável agora, com dois dos símbolos máximos do antigo nêmesis do partido enrolados.

Doria surgiu na política com um discurso de ética muito semelhante ao esposado pelo lava-jatismo, e sempre despachou aliados encrencados de forma rápida em termos públicos, a despeito do tamanho deles: vide Gilberto Kassab, o mandachuva do PSD que está numa licença eterna da Casa Civil que nem assumiu, devido a acusações de caixa dois.

De tempos em tempos, surgem rumores de que o governador paulista poderia deixar o PSDB. Isso chegou a fazer sentido no passado, com DEM e mesmo PSD como alternativas, mas hoje parece uma hipótese remota.

Primeiro, apesar de ter sido derrotado por Aécio quando operou pela expulsão do mineiro do PSDB, Doria comanda o partido na prática. Isso não veio sem custo e com mágoas, naturalmente.

Não é um comando óbvio, dada a variedade de caciques regionais e, como o episódio Aécio demonstrou, resistências são organizáveis. Mas a sigla não tem nome com tamanha densidade no momento: a aposta da velha guarda no governador Eduardo Leite (RS) acabou sendo mais para marcar posição, embora o gaúcho siga em alta.

E o PSDB oferta uma capilaridade ainda respeitável. Comanda estados importantes, São Paulo à frente e nominalmente desde 1995 (a rigor, como parte do PMDB, desde 1982). Tem prefeituras grandes, enquanto o PT foi trucidado em 2016 e caminha para destino semelhante este ano.

Virou um partido médio no Congresso, hoje um feudo dividido entre Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o centrão na prática. Mas tem nomes ainda influentes circulando por lá. O custo de uma mudança não parece valer a pena.

Há um vetor de imagem política em questão. Além do espectro do voto BolsoDoria, que já renegou e que foi invocado pelo próprio Bolsonaro no duelo que tiveram no começo da pandemia, o tucano teme a pecha de traidor que lhe foi impingida por Alckmin após o trauma de 2017.

Eleito em 2016 com apoio do então governador, o prefeito paulistano namorou a ideia de ser presidenciável já em 2018, quando a vaga era do padrinho.

A isso se soma o abandono da prefeitura em favor da candidatura a governador, em 2018. Auxiliares se questionam se trocar de partido a essa altura não criaria mais uma faceta para a acusação, embora concordem que o peso político do PSDB é o que pesa em favor da manutenção do status quo.

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