Descrição de chapéu Coronavírus

Com Executivo ausente, Congresso dá prioridade à área social ao legislar na pandemia

Levantamento mostra que maioria das medidas na área de saúde foi de iniciativa do Legislativo

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Christopher Kapáz Victor Lacombe
São Paulo

O Congresso Nacional foi responsável pela maioria das mudanças introduzidas na legislação brasileira sobre saúde durante a pandemia do coronavírus, preenchendo uma lacuna criada pela ausência de propostas de iniciativa do governo Jair Bolsonaro nessa área.

Levantamento feito pela Folha, que analisou todas as leis, medidas provisórias e emendas à Constituição aprovadas de janeiro a julho deste ano, mostra que 44% das medidas de iniciativa do Legislativo que entraram em vigor tratam de saúde.

Apenas quatro medidas provisórias enviadas por Bolsonaro e aprovadas pelo Congresso são sobre esse assunto, equivalentes a 11% das propostas de iniciativa do Executivo que se tornaram lei nesse período, de acordo com o levantamento.

O presidente Jair Bolsonaro, no centro, dá caneta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que está do lado direito. No lado esquerdo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, aplaude. Todos estão de máscara.
O presidente Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em evento de anúncio da prorrogação do auxílio emergencial. - Pedro Ladeira/Folhapress

Entre as leis de iniciativa do Legislativo, estão a que regulamentou o uso da telemedicina na pandemia, de autoria de 16 deputados federais, a que proibiu exportações de produtos médicos e hospitalares enquanto perdurar o estado de emergência e a que criou um plano para enfrentamento da Covid-19 em comunidades indígenas e quilombolas.

As medidas provisórias enviadas pelo presidente da República congelaram preços de remédios, facilitaram a compra de equipamentos pelo governo e prorrogaram contratos do Ministério da Saúde.​

Considerando o conjunto de leis aprovadas no período, 68% das propostas de iniciativa de congressistas ou comissões do Congresso tem relação com a área social ou de saúde, enquanto 33% das do Executivo têm essas temáticas, segundo o levantamento.

Na área social, estão classificadas iniciativas que tratam de educação, como a medida provisória que suspendeu obrigações de estudantes financiados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), além de assistência social, direitos humanos e outros temas.

Os resultados vão ao encontro de levantamento realizado em junho pelo grupo PEX-Network, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que analisou os decretos assinados por Bolsonaro e seus antecessores nos primeiros 18 meses de gestão. Bolsonaro é o presidente que menos priorizou benefícios sociais desde José Sarney (1985-1990).

Na comparação realizada pela Folha, só foram consideradas as medidas que têm alguma relação com a pandemia. Medidas provisórias que abriram créditos orçamentários extraordinários para o enfrentamento do coronavírus também não foram consideradas, já que são prerrogativa exclusiva do Executivo.

Os resultados do levantamento refletem o maior protagonismo assumido pelo Congresso desde o início do governo Bolsonaro e em particular durante a pandemia, quando governadores e prefeitos assumiram a linha de frente do enfrentamento da Covid-19, sem coordenação do governo federal.

Um terço das medidas de iniciativa do Executivo aprovadas no período tratou do impacto econômico da pandemia, como as medidas que criaram programas de crédito para micro e pequenas empresas e autorizaram a redução de salários e jornada de trabalho no setor privado. Apenas 8% das medidas de iniciativa do Legislativo trataram de assuntos econômicos.

“É normal que o Executivo dê mais atenção a questões econômicas, por ser o principal responsável pela gestão macroeconômica. No entanto, o governo foi negligente na emergência sanitária”, diz o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. “O Legislativo atuou como contraponto.”

Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), observa que a atuação do Congresso foi decisiva para aprovação do auxílio emergencial e da emenda constitucional que permitiu gastos extraordinários na pandemia. "O governo foi levado a contragosto a tomar as decisões", aponta.

A ideia de um auxílio para os trabalhadores do setor informal durante a crise foi apresentada pelo governo inicialmente numa entrevista em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu um benefício de R$ 200, mas o governo não enviou ao Congresso nenhuma proposta com esse objetivo.

A lei que criou o auxílio emergencial resultou de uma articulação dos congressistas, que aproveitaram um projeto de lei apresentado pelo deputado Eduardo Barbosa (PSDB) em 2017, que já tinha passado pelas comissões do Congresso e estava pronto para ser votado no plenário.

A primeira versão do projeto que foi à votação propunha um auxílio mensal de R$ 500, o qual foi elevado para R$ 600 por sugestão do governo Bolsonaro.

O presidente tornou-se o principal beneficiário político do programa, que contribuiu para aumentar a aprovação a seu governo entre os mais pobres e em regiões como o Nordeste, onde sua popularidade era reduzida, de acordo com o Datafolha.

"Embora tenham sido beneficiadas por uma decisão do Congresso, as pessoas estão premiando o Executivo por isso”, diz Couto. “O presidente, de forma muito rápida, começou a chamar para si a responsabilidade do auxílio, mesmo tendo proposto inicialmente um valor inferior". O cientista político afirma que as pessoas costumam pensar em governo mais como o Executivo sozinho do que o Congresso.

O levantamento da Folha também aponta que Bolsonaro editou 62 medidas provisórias relacionadas ao combate ao coronavírus, mas somente 2 foram transformadas em lei pelo Legislativo até o final de julho.

Antes da pandemia, o Congresso rejeitou ou deixou expirar a maior parte das medidas provisórias. O atual mandatário também é o que mais sofreu derrotas em vetos nas votações legislativas.

Bolsonaro se aproximou do Centrão durante a pandemia, na tentativa de formar uma base mais segura no Congresso. Não houve, contudo, total alinhamento, como mostrou recentemente a discussão do veto presidencial ao reajuste de salários de servidores em 2020, que por pouco não foi derrubado, e só foi mantido após articulação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Para Queiroz, do Diap, o número de medidas provisórias editadas por Bolsonaro é incomum. “O governo encaminha as matérias e se desobriga da responsabilidade de fazê-las tramitar”, afirma. “Por isso o Congresso faz mais do que o Executivo, sendo que no presidencialismo de coalizão, o normal é que o presidente lidere a iniciativa das leis.”

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