Descrição de chapéu Eleições 2020

Vou atuar para que esquerda se una no Brasil não só na véspera de eleição, diz Boulos à Folha

Candidato a prefeito derrotado cobra humildade de Covas, desconversa sobre 2022 e afirma que sua campanha criou 'caldo' ao mobilizar jovens

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São Paulo

Isolado em casa por estar com Covid-19, Guilherme Boulos (PSOL) diz que quer trabalhar no plano nacional contra o distanciamento entre os partidos de esquerda, após sair derrotado do segundo turno da eleição para prefeito de São Paulo.

Em entrevista à Folha, na tarde desta segunda-feira (30), por telefone, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) afirmou que, apesar do fracasso, seu desempenho indica uma tendência de fortalecimento do chamado campo progressista.

"A lição que fica é a da importância da unidade. E acho que a gente vai saber amadurecer", disse Boulos, que aglutinou em torno de sua candidatura no segundo turno PT, PC do B, PDT, PSB, Rede, PCB e UP.

*

Como está sua saúde? Estou bem. Tive só sintomas leves até aqui. Um pouco de cansaço e dor no corpo, mas estou me recuperando bem e cumprindo a quarentena em casa.

O médico receitou algum medicamento? Não, o dr. Esper [Kallás] só pediu para manter o acompanhamento. Ele pediu que, se houvesse algum sintoma mais forte, reportasse a ele.

Levou bronca dos seus pais [que são médicos infectologistas]? [risos] Não. Meus pais viram também que eu, não só na campanha, mas antes, busquei tomar cuidados. Nunca deixei de andar de máscara, sempre busquei seguir os protocolos sanitários. Infelizmente, acabei contraindo o vírus.

Guilherme Boulos (PSOL) durante entrevista concedida à Folha após o segundo turno; com Covid-19, ele agora está em isolamento - Marlene Bergamo - 19.nov.2020/Folhapress

Uma pergunta direta: por que o sr. perdeu a eleição? A gente pode analisar uma série de fatores, a começar pelas condições desiguais desde o princípio. Eu tinha 17 segundos na televisão, e Bruno Covas tinha quase quatro minutos.

No segundo turno, que foi o mais curto da história das eleições, as condições se igualaram do ponto de vista de TV, mas não do de recursos. As restrições colocadas pela pandemia também afetaram mais diretamente uma campanha como a minha, de mobilização muito forte, de rua.

Do ponto de vista emocional, como encara o resultado? Alguma frustração ou raiva? Tenho um sentimento profundo de missão cumprida. É evidente que eu queria ganhar. Quem entra em eleição entra para ganhar. Até porque sei o quanto a periferia de São Paulo está sofrendo com abandono e com o descaso.

Ao longo da campanha, conseguimos fazer uma mensagem ecoar, a de que essas pessoas, que muitas vezes são invisibilizadas e abandonadas pelo poder público, não estão sozinhas. E não foi por acaso que tivemos uma vitória importante em vários distritos da periferia.

Eu e a [Luiza] Erundina [candidata a vice, também do PSOL] plantamos esperança. Uma campanha feita em condições muito desiguais, uma batalha de Davi contra Golias.

Com a marca de R$ 19 milhões, Covas gastou e arrecadou mais do que os outros candidatos, mas o sr. também teve uma ajuda expressiva do PSOL, cerca de R$ 3,7 milhões. O investimento do partido foi absolutamente proporcional à dimensão da candidatura. Pela primeira vez na história do PSOL se fez uma candidatura que chegou ao segundo turno na maior cidade do Brasil.

O que o sr. disse a Covas na ligação no domingo em que reconheceu a derrota? Foi uma conversa rápida e protocolar. Apenas o parabenizei pela vitória e desejei boa sorte.

O que espera do novo governo dele? Espero que tenha o mínimo de humildade de entender também um recado que as urnas deram. É verdade que elas deram uma vitória para ele, mas 2 milhões de paulistanos, que votaram no nosso projeto, votaram pela mudança. Espero que ele possa olhar para esse resultado e ver a necessidade de atender mais às demandas da periferia, do povo mais pobre.

O discurso do sr. apontou para o cenário nacional. A partir de agora, passa a ter um olhar mais para as questões nacionais ou vai se concentrar no plano local, como oposição a Covas e Doria? Eu moro em São Paulo, então naturalmente estou ligado às questões de São Paulo, como sempre estive. Mas também fui candidato a presidente da República.

A partir do ano que vem, mesmo estando vinculado ao temas de São Paulo, ao enfrentamento da desigualdade na cidade, vou estar mais focado em temas nacionais com o desafio de ajudar a construir uma unidade no campo progressista e da esquerda.

O sr. cogita ou rejeita a ideia de disputar a Presidência ou o governo do estado em 2022? O que essa nossa campanha mostrou é que é possível uma articulação e uma união de figuras de campos de esquerda que estavam afastadas até aqui. Fazer qualquer tipo de debate de nomes, num momento como este, eu não acho que ajude no processo de unidade.

E cargo no Legislativo? Deputado federal? Isso não está colocado para mim hoje.

Ainda que uma definição dependa de acordos, pessoalmente como o sr. quer contribuir? Eu acabei de sair de uma eleição. Fui candidato a prefeito, tive mais de 2 milhões de votos, fui ao segundo turno. Não sou daqueles que pensam e fazem política a cada dois anos. Política para mim não é carreira, não é subir degraus.

O que está na minha pauta agora não é a próxima eleição. Neste momento, estou preocupado em ajudar a organizar forças progressistas e democráticas da sociedade para enfrentar esses desafios.

Acha possível aparar arestas que existam entre partidos que o apoiaram no segundo turno, como PT, PDT e PSB? As diferenças que existem hoje no campo progressista estão no varejo perto daquilo que nos separa do projeto bolsonarista, do Doria. Nós, da esquerda, tivemos uma presença forte no segundo turno, um cenário muito diferente dos de 2016 e 2018, do ponto de vista da força de um projeto progressista.

E do ponto de vista pragmático houve derrotas nas urnas. Olha, nem sempre é no tempo que a gente quer, do jeito que a gente quer. A gente tem que olhar as coisas não apenas pelo resultado de uma eleição, mas pelas tendências. Esta eleição pode ser um enfraquecimento considerável de um ciclo de autoritarismo. Prefiro olhar para a frente.

Como construir essa unidade, já que os partidos se veem no direito de lançar candidaturas próprias no primeiro turno? Estou falando de uma união que também não pode ser construída às vésperas da eleição. Estou falando de um 'caminhar juntos' do campo progressista para tirar o Brasil desse atoleiro.

Eu vou ajudar a construir, tendo saído mais forte das eleições, um processo de unidade do campo progressista, não apenas do ponto de vista eleitoral, mas também da disputa política.

Não se trata de algo que se encerrou no dia de ontem [domingo]. Está começando. A nossa campanha aponta para o início de um novo ciclo.

Quando diz que é algo que está começando, a que exatamente se refere? A novidade da nossa campanha foi que ela mobilizou a juventude. Fez os jovens voltarem a acreditar na política como instrumento de transformação. Isso vai muito além de uma eleição. Foi um caldo gerado, que não vai acabar aqui.

Há uma análise de que a esquerda se desconectou do eleitor. Acha que as duas partes começam a falar a mesma língua? O mapa eleitoral mostra que nós tivemos o melhor resultado da esquerda na periferia desde 2012. A nossa campanha fez com que essa mensagem voltasse a chegar às periferias. É evidente que não foi suficiente, nós não ganhamos a eleição.

Há um processo em amadurecimento, em construção, de reconexão da esquerda com a base popular, e também de decepção da base popular das periferias com o projeto que ganhou as eleições de 2018.

O sr. assumiu um espaço que era do PT? O PT é um partido com forte enraizamento social no Brasil. Tem a sua capilaridade, precisa ser respeitado. E a unidade que nós pretendemos construir contra o bolsonarismo naturalmente inclui o PT.

Falou com Lula desde o domingo? Não. Vou esperar estar totalmente recuperado da Covid para retomar os contatos políticos, inclusive de agradecimento àqueles que estiveram conosco.

O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, disse que o sr. 'sai credenciado como o principal nome da esquerda em São Paulo'. Isso significa que qualquer aliança do campo na capital tem que passar pelo sr.? Eu não tenho a arrogância de achar que qualquer conquista seja pessoal. A conquista que nós tivemos foi feita a várias mãos, com um papel da militância, não só do meu partido. Com certeza, nós vamos fazer parte da mesa que discutirá a unidade do campo progressista, como temos feito até aqui.​

Faz alguma autocrítica? Há algum erro da sua campanha de que se arrepende? Não existe campanha só com acerto. Certamente, nossa campanha, ao longo da trajetória, poderia ter feito coisas que não fez, [mas] não vejo que teve erro político de condução. Francamente, eu não busco bode expiatório.

A fala sobre a Previdência [de que mais concursos públicos seriam parte da solução do déficit], que o sr. teve que explicar várias vezes, pode ser considerada um erro? Aquilo eu já tive a oportunidade de deixar muito claro e ficou absolutamente encerrado. Eu me expressei mal.

Isso pode ter trazido prejuízo eleitoral? Não creio que isso tenho influenciado o resultado das eleições.

Em relação ao fato de não ter declarado sua conta bancária [à Justiça Eleitoral], poderia ter havido mais transparência da sua parte? Acho que, se cabe alguma autocrítica naquele episódio, é da própria Folha, que, aliás, a ombudsman fez, sobre a maneira como aquilo foi noticiado, de uma forma, infelizmente, pouco esclarecedora. O fato de o meu advogado não ter colocado um saldo de R$ 579 da conta bancária e isso ter virado um assunto da campanha, francamente, esse não foi um erro da minha campanha.

Sua campanha e as de outros candidatos tiveram eventos com aglomeração. Admite alguma responsabilidade sobre isso? A nossa campanha buscou seguir os protocolos sanitários em relação à pandemia. Nem sempre foi possível, isso é verdade, mas houve um esforço.

O fato de manter agendas de campanha, mesmo reduzidas, após saber do resultado positivo da deputada Sâmia Bomfim (PSOL), gerou críticas, inclusive com a hashtag "Boulos genocida". Como o sr. responde? Quem subiu essa hashtag foi o gabinete do ódio. É preciso dar nome aos bois. Eu segui absolutamente todo o protocolo e orientação do Ministério da Saúde. O contato eventual com alguém que testou positivo e ambos de máscara não demandaria qualquer tipo de isolamento ou de interrupção de atividade social.

Se tivesse ido ao debate da TV Globo e saído às ruas nos dias finais, teria conseguido virar o placar? É difícil dizer se teria sido suficiente para virar. Agora, certamente o fato de não ter ocorrido o debate da Rede Globo, que seria o de maior audiência, foi um prejuízo maior à nossa candidatura do que à do meu adversário.

RAIO-X

Guilherme Boulos, 38

É formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP. Coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), foi candidato a presidente em 2018 pelo PSOL, quando recebeu 617 mil votos e ficou em 10º lugar. Chegou ao segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo e recebeu, no domingo (29), 2,1 milhões de votos (40,62% dos votos válidos), sendo derrotado pelo candidato à reeleição, Bruno Covas (PSDB). No segundo turno, o postulante do PSOL teve o apoio de PT, PC do B, PDT, PSB, Rede, PCB e UP

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