Arthur do Val decide se afastar do MBL, se diz chateado com Moro e vê cassação como exagero

Deputado enviou áudios sexistas durante viagem à Ucrânia

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São Paulo

Em entrevista à Folha, o deputado estadual Arthur do Val (Podemos) afirmou que irá se afastar do MBL (Movimento Brasil Livre) e se defendeu de uma possível cassação na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Arthur, que retirou sua pré-candidatura ao Governo de São Paulo, disse ainda que não pensou sobre seu futuro político e que, no momento, só está preocupado com o fim do seu namoro com a enfermeira Giulia Blagitz.

O deputado, que foi ao conflito na Ucrânia na semana passada, enviou áudios a amigos dizendo que as ucranianas são "fáceis" por serem pobres —e que a fila de refugiados da guerra tem mais mulheres bonitas do que a "melhor balada do Brasil".

Conhecido como Mamãe Falei por seu canal no YouTube, Arthur é alvo de pedidos de cassação e de expulsão do Podemos, que tem o ex-juiz Sergio Moro como candidato à Presidência. Na entrevista, Arthur diz ter ficado chateado com a reação de Moro, que disse que não dividiria mais o palanque com o deputado.

O deputado Arthur do Val, na Assembleia Legislativa de SP - Eduardo Knapp-15.dez.19/Folhapress

Quando o sr. ficou sabendo do vazamento dos áudios? ​Eu estava entrando no voo, de Viena para Frankfurt. Liguei no wi-fi do aeroporto e ligou uma pessoa querendo confirmar a autenticidade do áudio. Só que eu estava entrando no voo e perdi o wi-fi. Fiquei duas horas no voo. Só que, quando eu saí desse voo, nós já saímos atrasados para o outro. Tinha que ter um atestado da Anvisa [declaração sobre Covid], que eu não tinha. Eu tive que entrar na internet para pegar e preencher. Quando entrei na internet, meu celular, assim, parecia uma enxurrada de mensagem. Então foram 30 segundos que eu tive para dar uma olhadinha no que tinha acontecido e entrar no no segundo voo. Quando eu entrei, perdi o sinal.

Imagina, eu fiquei dentro do voo, sem sinal, olhando aquela enxurrada de mensagens no WhatsApp dizendo 'acabou'. Jornalista me perguntando. Nossa, foi o pior dia da minha vida.

O sr. mandou esse áudio em que contexto e para qual grupo? Foi uma uma idiotice gigantesca que eu fiz. Estava há três dias em tomar banho, sem dormir, sem comer, sem beber, sem nada. Quando eu saí da Ucrânia e entrei na Eslováquia, o clima era outro, o clima era bom. As pessoas estavam felizes. Eu não eu não vou falar que era uma comemoração, mas é um alívio. As pessoas estavam entregando chá, café, comida, cobertor. Uns com os outros, gente tudo quanto era nacionalidade. E eu comecei a responder várias conversas, várias pessoas perguntando se eu estava bem.

Aí num grupo perguntaram: mas e aí, elas são bonitas? Aí eu mandei aqueles áudios. Eu nem sou aquela pessoa, esse é o problema. Eu perdi minha namorada por uma coisa que eu falei e eu não fiz. É uma sensação horrorosa. O erro foi meu, não foi do Renan [Santos, coordenador do MBL], não foi do Kim [Kataguiri, deputado do MBL], não foi do Rubinho [Nunes, vereador do MBL].

O sr. mandou os áudios para quais amigos? Mandei o áudio num grupo de futebol que não tem nada a ver com isso. Foi uma atitude imatura.

Eu não quero justificar isso como cancelamento ou politicamente correto, não. Eu errei. Ponto. Mas psicologicamente... E até no áudio eu misturo um monte de coisas. As coisas estavam tão misturadas na minha cabeça, que eu misturei tudo.

Existem dois tipos de pessoas que estão decepcionadas comigo e que estão me atacando. As pessoas hipócritas. Por exemplo, o Lula já falou coisas muito piores. Tem um cara que foi pego com dinheiro na bunda e beleza, né? E da mesma forma o Bolsonaro falou de fazer turismo sexual aqui, só não podia ser gay. Muitas vezes eles querem dar demonstrações públicas de virtude sobre a desgraça dos outros.

Agora existe um outro grupo de pessoas que estão genuinamente decepcionadas comigo. Esse é que é difícil. É ruim de pensar porque essas pessoas não sabem o que aconteceu e elas não tem culpa de não saber. Quando os áudios vazaram, as pessoas tiveram a impressão de que o Arthur foi para Ucrânia e está mandando um monte de áudio que ele está curtindo, que ele está se aproveitando de refugiadas em situação de vulnerabilidade. Isso machuca, porque não é isso.

No final do dia, sinto... Abrindo o coração para você, tá? O que me ferrou mesmo, me tirou o chão, acabou comigo foi [perder] minha namorada. Imagina ela ouvindo falar sobre essas coisas. Eu fiquei sabendo [do término] pela internet, mas eu até tomo cuidado ao falar isso, porque não é culpa dela. Não quero que escreva de uma forma que pareça: nossa, olha o que ela fez com ele. Eu sempre fui acostumado a enfrentar meus oponentes e está tudo certo. Agora perder a namorada assim? Acertar no pessoal é fogo.

Já falou ou esteve com ela desde que chegou? Tentei, mas não quero [fazer] parecer que ela é uma pessoa cruel. Ela está no espaço dela, no tempo dela. Eu não quero falar mais nada, porque não tenho autorização de expor a vida de uma pessoa que não escolheu isso. Ela é enfermeira, ela não tem nada a ver com política, ela não tem nada a ver com as escolhas que eu fiz para mim. E ela está exposta por uma cagada minha.

O sr. não considera que as pessoas estejam decepcionadas não por terem imaginado que o sr. fez turismo sexual, mas pelo conteúdo dos áudios em si? Sim, com certeza. Existem duas coisas. O erro existe. E existe a extrapolação do erro. Existem pessoas genuinamente decepcionadas comigo porque imaginam que eu fui fazer turismo sexual. Então é uma outra camada de problema ainda. Existe a camada do problema de coisas que eu não fiz e existe a camada de problemas de coisas que eu realmente fiz. Em nenhum momento eu tentei negar que mandei aqueles áudios.

Quando eu desci no Brasil, um cara já passou e me chamou de pedófilo. Eu falei meu Deus, meu Deus! O que está acontecendo? A maior parte das pessoas se decepcionou com um áudio que é real, que é meu. Eu tenho vergonha do que eu fiz.

O sr. diz que não é essa pessoa [dos áudios], mas como uma pessoa que não é assim manda esses áudios? Nós temos um problema que é o seguinte: é um contexto. Eu ficar falando disso vai ficar parecendo que estou relativizando. Não tem perdão, não existe justificativa. Mas eu não sou uma pessoa que admira ou fala esse tipo de bobagem. As pessoas que convivem comigo sabem. Foi uma idiotice completa. Eu já estou num estágio... O que está me pegando mesmo é a questão dela [da ex-namorada].

O que imagina para sua carreira política no futuro? Ela está encerrada? Nem sei te responder isso. Estou com uma muralha na minha frente que me impede de fazer qualquer outra coisa. Eu não falo da minha vida pessoal, mas dessa vez não tem como.

Eu retirei a candidatura porque eu não tenho direito de atrapalhar ninguém. Não é justo que Rubinho, Kim, Moro paguem pelo meu erro. ​Eu desci do avião, já chegaram para mim e falaram: Moro já declarou publicamente que não te apoia mais.

O sr. ficou chateado com ele? Lógico né? Nem viu o que tinha acontecido. E eu sou recebido com uma notícia dessa. Mas eu não julgo também. Eu não posso julgar. Uma coisa é a minha sensação. A outra coisa é a realidade.

A minha sensação é de frustração, de tristeza da parte dele. Outra coisa são os fatos. E o fato é que nós ainda temos um país que está aí na beira de ter Lula ou Bolsonaro. Se eu estou atrapalhando a missão [de Moro], será que eu não faria o mesmo [que ele fez]? Será que faria diferente? Eu hoje te falaria diferente.

Moro também perdeu seu palanque no principal estado e tem uma série de dificuldades na candidatura. Vê condições de ele continuar na campanha para presidente? Desculpa, não sei responder isso. Eu não estou em condições. Normalmente eu te responderia isso.

E a notícia de que Rubinho pode vir a ser candidato do Podemos em SP? Fiquei sabendo agora por você. Não pensei sobre isso.

Cogitou sair do MBL para preservar o movimento? Sim, eu vou fazer isso. E eles não sabem. Estou te falando agora. Não é justo que essas pessoas sofram a consequência de um erro só meu.

Vai se afastar ou vai sair de vez? Eu não sei. Eu só quero me afastar, eu só quero que as pessoas não sofram as consequências do que eu fiz.

Concorda com a avaliação de que o MBL acabou? Não, de jeito nenhum. O MBL tem um trabalho maravilhoso. Imagina, nada apaga o que o MBL fez. O que o Kim Kataguiri tem a ver com isso? O que a Adelaide Oliveira tem a ver com isso? Fui eu. Eu. Sozinho.

O projeto político do MBL continua de pé? Com certeza, e fortíssimo. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. O problema sou eu.

Acha que vai perder o mandato e/ou vai ser expulso do partido? Sinceramente, eu não parei para ver isso. Eu não pensei em nada.

Cogitou se desfiliar do Podemos ou desistir do mandato? Eu não pensei em nada.

Mas o sr. conversou com a Renata Abreu, presidente do Podemos? Foi uma conversa superimprodutiva porque eu não tenho cabeça. Se você perguntar o que nós conversamos, eu nem saberia te dizer. Minha cabeça está em outra coisa.

Sei que o sr. não pensou nisso, mas vamos tentar pensar agora. Se o sr. perder o mandato ou não tiver legenda nem para concorrer à reeleição, o fim da carreira política vai te abalar ou o sr. volta para a iniciativa privada e pronto? Eu nunca pensei em política como algo de longo prazo, como uma carreira.

Essa eleição que eu ia disputar este ano era uma eleição majoritária completamente desconfortável. Eleição confortável é ir para a proporcional. Se eu fosse me reeleger deputado estadual, eu não precisava fazer nem metade das coisas que eu faço. Para a majoritária, tem que sair da zona de conforto, apresentar propostas, estudar muito.

Se eu estou atrapalhando a missão e eu sair, me cassarem, eu só vou ficar com o questionamento: que país é esse? Porque Lula falou coisas muito piores e está aí líder das pesquisas. Bolsonaro também. Meu mandato é irretocável. O que eu errei fui eu pessoalmente. Se isso for suficiente para me cassar e me tirar os direitos políticos por 8 anos, aí também não quero mais nada. Que país é esse?

O sr. sempre foi um deputado que comprou brigas com colegas na Alesp, que não teve um grupo político. Esse isolamento agora cobra seu preço? Se fosse outro deputado, os colegas talvez relevassem? Se isso cobra o preço, é claro que sim. O Fernando Cury [na época no Cidadania] assediou de verdade a Isa Penna [PSOL]. Não é que ele mandou um áudio falando. E ele teve uma punição de seis meses [de suspensão]. Eu vou ser cassado por um áudio? Houve o erro. Eu errei. Agora, é claro que parte dessa consequência política de cassação é por eu ser quem eu sou. Por eu ser solitário, um cara que nunca se misturou e sempre incomodou todo mundo.

Todo mundo queria um motivo para me cassar desde o dia um. E eu dei esse motivo, não para me cassarem, mas dei um pretexto para falarem... Eles podem fazer isso. Claro que isso é péssimo. Eu me arrependo disso? De jeito nenhum, não me arrependo do que eu fiz no meu mandato. Pelo contrário, tenho muito orgulho. Eu sozinho travei o aumento para os fiscais de renda, o auxílio de Natal, o contrato de publicidade da Alesp.

O PSOL está querendo me cassar em três dias. Tem um deputado que tentou me bater no plenário, não deu nada. Tem deputado que passou a mão no seio de uma deputada e deu seis meses [de suspensão]. E um áudio meu vai dar cassação em três dias? É desproporcional.

Quem vazou esse áudio? Não sei, talvez nem queira saber. A verdade é que eu só penso em recuperar a Giulia e pedir perdão.

O que o sr. imagina para os próximos dias? Só vai conseguir pensar na política se reatar com ela? Eu acho que sim. Esse problema para mim é o maior e o primeiro. É a coisa mais importante, o resto é o resto.

O sr. está procurando ajuda, tem alguém te apoiando? O MBL? Recebeu solidariedade? Isso muito. Recebi. Isso é uma parte que sou grato. Não só da família, dos meus amigos mais próximos, do próprio MBL. O pessoal está insistindo, quer me ver, quer falar comigo.

Sei que nesse momento, eles vão fazer de tudo para me dar a mão e me salvar de alguma coisa. Eu sei, eu conheço esses caras [do MBL]. Eles são um time, assim, fechado. Agora tem uma questão minha aqui. Será que é o certo, por um problema que eu causei, deixar me ajudarem? Eu não acho que seja.

Mas foi uma coisa que até me surpreendeu. Eu tenho um grupo da minha escola. E, nossa, o pessoal do grupo é maravilhoso: "sei o que você fez foi errado, mas, cara, eu sei que você não é essa pessoa". "Você é maravilhoso." As pessoas me colocando para cima.


Raio-X

Arthur do Val, 35
Nascido em São Paulo, está em seu primeiro mandato como deputado estadual pelo Podemos. Foi expulso do DEM e passou pelo Patriota. É membro do MBL. Ficou em quinto lugar (9,78%) na eleição para a Prefeitura de SP em 2020 e foi o segundo deputado estadual mais votado em 2018, com 478 mil eleitores. Em 2015, abriu o canal "Mamãe Falei" no YouTube, onde fazia provocações à esquerda e pregava liberalismo econômico. Formado em engenharia química, atuou no comércio e distribuição de resíduos metálicos e gerenciou um estacionamento.

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