Descrição de chapéu Eleições 2022

Haddad forma aliança de Alckmin a Boulos, mas esbarra no antipetismo do interior de SP

Lula pede votos para o petista, que tenta virada sobre Tarcísio na reta final da eleição

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São Paulo

"Tem duas pessoas buscando uma virada até domingo [30]. Espero que só uma delas esteja certa, eu", disse Fernando Haddad (PT), 59, referindo-se a ele e ao presidente Jair Bolsonaro (PL), para risos de integrantes da dita "Faria Lima progressista", com quem o petista se reuniu na sexta-feira (28).

"Acredito que as cartas estão na mesa e que é possível uma arrancada final", completou o ex-prefeito e ex-ministro da Educação nos governos do PT.

A atmosfera entre empresários e nomes do agronegócio era mais leve do que uma semana antes. A fé na virada da eleição para o Governo de São Paulo, liderada por Tarcísio de Freitas (Republicanos), se consolidou na última semana, após tropeços do rival e pesquisas indicarem uma redução da distância.

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Fernando Haddad (PT) em comício no Grajaú, zona sul da capital paulista, em 24 de setembro - Danilo Verpa/Folhapress

A pesquisa Datafolha deste sábado (29) mostra Tarcísio com 53% dos votos válidos ante 47% de Haddad. No último dia 19, o placar era de 55% a 45%. O levantamento de véspera aponta Tarcísio com larga margem no interior (61% a 39%) e Haddad à frente na região metropolitana (56% a 44%).

No domingo (23), Haddad participou de uma edição anterior do evento organizado por apoiadores –um coquetel que misturou investidores e professores universitários.

A tensão era evidente. Convidados comentavam em voz baixa que gostariam de estar mais esperançosos com a vitória de Haddad. Outros relatavam dores no estômago e taquicardia com a proximidade da votação.

Ao lado do petista, estavam Geraldo Alckmin (PSB), Marina Silva (Rede), Tabata Amaral (PSB) e a vice Lúcia França (PSB). Na plateia, José Aníbal (PSDB), Márcio França (PSB) e Celso Lafer.

Haddad foi questionado pelo público, em parte menos afeito ao PT e indeciso, sobre temas que assombram o partido: agronegócio, invasão de terras e concessões. Um empresário da pecuária cobrou ao tirar uma foto com ele: "O senhor tem que circular mais no agro, tem espaço".

O evento expôs os trunfos e os limites de uma candidatura que, pela primeira vez, levou o PT a sonhar com o Palácio dos Bandeirantes.

De um lado, uma aliança ampla no campo progressista, de Alckmin a Guilherme Boulos (PSOL), passando por tucanos, e embalada pela perspectiva de eleger Lula (PT). De outro, a força do antipetismo, sobretudo no interior. Haddad liderou a rejeição medida pelo Datafolha em todo o pleito.

Mas, na reta final, duas notícias abalaram o concorrente bolsonarista —o atentado de Roberto Jefferson (PTB) contra policiais e a ordem da equipe de Tarcísio para que um cinegrafista apagasse imagens de um tiroteio em Paraisópolis.

Haddad desgastou Tarcísio no debate da TV Globo, na quinta (27), afirmando que atrapalhar investigação é algo irregular.

Nos últimos dias, Tarcísio voltou atrás em alguns planos após repercussão negativa (retirar as câmeras da PM, vender a Sabesp e extinguir a Secretaria de Segurança Pública). E Haddad lançou como cartada final um auxílio paulista de R$ 800.

O petista se ancorou em propostas sociais –bilhete único metropolitano, ICMS zero para carne e cesta básica e aumento do salário-mínimo paulista para R$ 1.580.

Para atacar o adversário, o associou ao negacionismo de Bolsonaro, questionou sua competência como ministro, insinuou que ele importaria a milícia do Rio e afirmou que Tarcísio é um "joguete" do presidente, com quem São Paulo cairia nas garras do centrão.

Haddad serviu de cabo eleitoral de Lula e fez uma campanha colada com a do ex-presidente, levando as propostas nacionais e as críticas a Bolsonaro aos debates e propagandas.

No ato em defesa da democracia, na PUC, na segunda-feira (24), Lula pediu votos para Haddad e disse que queria comemorar a vitória do ex-prefeito junto com a sua, neste domingo, na av. Paulista –onde ambos encerraram a campanha com uma caminhada no sábado.

"Uma chance para a gente mostrar o que será possível ele fazer no estado de São Paulo. Olha, dá uma olhada, é uma dupla bem melhor que Bolsonaro e Tarcísio, Lula e Haddad", disse.

"No domingo, nós vamos sentir, quem sabe, o alívio de virar a página do fascismo e a alegria infantil de viver um sonho do Brasil e São Paulo remando juntos", afirmou Haddad, incentivado por gritos de "vira, vira, vira" da plateia.

Lula (PT) e Fernando Haddad (PT) em ato na PUC, em São Paulo, em defesa da democracia, no último dia 24 - Marlene Bergamo/Folhapress

A hipótese de derrota de Haddad, rechaçada pelos petistas na última semana, não deve ser lida como um atestado de fracasso, segundo aliados.

Se perder, Haddad falha na terceira eleição seguida —perdeu a tentativa de reeleição para a prefeitura em 2016 e ao substituir Lula, que estava preso, na corrida presidencial em 2018. Caso seja derrotado, o petista deve integrar um eventual ministério de Lula se o ex-presidente for eleito.

Petistas também afirmam que Haddad se redimiu –venceu na capital no primeiro turno, onde perdeu em 2016 e 2018— e cumpriu a missão, pois fortaleceu o PT no estado.

Contudo, perder para alguém que não conhece São Paulo e não tem propostas, como repete Haddad sobre Tarcísio, atrapalha os planos do PT e dá sobrevida ao bolsonarismo.

Novato no estado e na política, o bolsonarista venceu o primeiro turno, ajudou a acabar com a hegemonia do PSDB e pode ocupar o segundo posto de maior peso na República, algo que o PT, nascido no ABC paulista, tenta há 40 anos.

Além da cobrança em temas caros ao paulista conservador, Haddad teve que se explicar sobre corrupção no PT e medidas não entregues na Prefeitura de São Paulo –ele deixou 35 obras inacabadas. A pecha de "pior prefeito" foi explorada por Tarcísio.

Houve ainda um erro de cálculo, na opinião de parte da cúpula petista, por Haddad ter centrado fogo no governador Rodrigo Garcia (PSDB) no primeiro turno, quando o principal interesse do PT era minar o palanque de Bolsonaro.

No segundo turno, Rodrigo apoiou Bolsonaro e Tarcísio, levando consigo centenas de prefeitos.

Em desvantagem no interior, Haddad espalhou aliados, como Alckmin e a esposa Lu Alckmin, em agendas solo pelo estado. Também passou a ressaltar sua ligação e de sua família com diversas cidades.

Na sexta, o petista afirmou que conseguiu dialogar com o interior ao rechaçar a venda da Sabesp sob o argumento de que a conta de água ficaria mais cara.

Ao mesmo tempo, Haddad não deixou de reforçar uma agenda progressista, pregando mais impostos para os mais ricos para compensar isenções aos mais pobres. Também afirmou que destinar terra sem função social para a reforma agrária é apenas cumprir a lei.

Em entrevista à Folha e UOL, ele deixou claro que não abandonaria seu projeto de esquerda: "a vitória a qualquer custo não vale a pena".

"É óbvio que quero ganhar a eleição. Mas estou defendendo um programa de governo. Se o eleitor paulista entender que o programa é bom e que eu tenho condições de executá-lo, ele vai me eleger. Se ele achar que não, ele vai eleger outra pessoa. E isso faz parte do jogo."

Haddad disse que não existe mais aceno ao centro do que colocar Alckmin e Boulos no mesmo carro de som, como ocorreu no Campo Limpo, zona sul, no último domingo.

O petista promoveu uma inédita união da esquerda já no primeiro turno. Um a um, Alckmin, Boulos e França abandonaram o projeto de concorrer ao Bandeirantes e embarcaram na campanha do PT.

Haddad diz que, após perder em 2018, convenceu Lula de que a eleição de 2022 deveria começar pelo segundo turno, ou seja, pela construção de alianças fora da bolha, e se dedicou a isso, sendo padrinho da chapa Lula-Alckmin e da reaproximação com Marina.

Diferentemente do presidenciável, no entanto, Haddad não obteve uma frente tão diversa, esbarrando em partidos de centro que escolheram Tarcísio, como PSDB, MDB e PSD.

O "mais tucano dos petistas" se esforçou para avançar sobre o campo do PSDB guiado por Alckmin. Apropriou-se da raiz paulista do rival Rodrigo para se contrapor ao carioca Tarcísio e defendeu o Instituto Butantan.

Ainda que a potência eleitoral do bolsonarismo seja inequívoca, Haddad pôde contar, neste pleito, com uma mudança no espírito do tempo em relação a 2016 e 2018.

Em vez de preso, Lula tem os processos anulados; ações e investigações contra Haddad foram arquivadas; a Lava Jato perdeu seu brilho; as fake news, embora sejam um desafio, são mais combatidas; e o impeachment de Dilma Rousseff (PT) é história.

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