Descrição de chapéu Eleições 2022

Histórico de fake news: veja mentiras e casos de guerra suja nas eleições brasileiras

Do caso Miriam Cordeiro à mamadeira de piroca, pleitos sempre foram acompanhados de distorções e falsidades

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Se hoje as mentiras e os boatos na sucessão presidencial envolvem de disparos em massa às deepfakes (técnica que altera vídeos), em eleições de décadas passadas os métodos eram bem mais prosaicos, como a distribuição de panfletos sem autoria e até rumores espalhados em filas de aposentados.

Muito antes de surgir o termo fake news, os pleitos desde a redemocratização também tiveram ondas de informações distorcidas e especulações sem fundamento sobre possíveis planos de presidenciáveis.

Nos anos 1980 e 1990, a economia era um dos assuntos preferidos a inspirar histórias farsescas. Era uma época profundamente afetada pela inflação e pela perspectiva de estabilidade com o Plano Real.

Baixarias também marcaram alguns dos pleitos anteriores, inclusive no horário eleitoral. A discussão sobre o aborto, frequente em 2022, apareceu também em 1989, na primeira campanha após a ditadura.

Modelo de urna eletrônica usado nas eleições - Rubens Cavallari/Folhapress

1989

A primeira eleição da redemocratização, cujo acirrado segundo turno foi disputado entre os candidatos Fernando Collor (então no PRN) e Lula (PT), foi pródiga em mentiras e golpes baixos.

Collor levou ao ar depoimento da enfermeira Miriam Cordeiro, mãe de uma filha de Lula. No vídeo, ela dizia que o candidato havia oferecido dinheiro para que ela abortasse a criança. O petista rebateu a história gravando um vídeo com a filha, Lurian, e levou a peça ao ar no horário eleitoral.

Na reta final daquela eleição, a campanha petista se viu atacada ao ser falsamente associada aos sequestradores do empresário Abílio Diniz, raptado às portas da votação. O sequestro foi orquestrado pelo MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária), do Chile, e a libertação ocorreu no dia do segundo turno.

1994

A campanha seguinte ocorreu enquanto o país tentava se adaptar à implantação do Plano Real. Candidato do então presidente Itamar Franco, o tucano Fernando Henrique Cardoso havia participado da elaboração do projeto e contava com o sucesso dele para alcançar a vitória.

Seus adversários o acusavam de criar um plano meramente eleitoreiro, no qual haveria uma ilusória estabilidade até a eleição, que logo se esvairia no fechamento das urnas.

De fato, havia um precedente não tão antigo do tipo: em 1986, o Plano Cruzado, do governo José Sarney, controlou temporariamente a inflação e impulsionou candidatos governistas, que venceram as disputas estaduais por quase todo o país. Logo depois, os fundamentos do plano desmoronaram.

O pedetista Leonel Brizola, que disputava a Presidência pela segunda vez, chamava o real de "golpe da moeda". Petistas diziam que era uma questão de tempo até "o real começar a fazer água".

Lula, que liderou as pesquisas até a estreia do real, inicialmente criticou as supostas segundas intenções por trás do plano. Com a nova moeda ganhando popularidade, teve de adaptar o discurso: evitava elogiar, pelo risco de favorecer o adversário, e, diante dos bons resultados do plano, evitava criticá-lo.

A virada sobre o PT não ocorreu sem ataques por parte do vitorioso. A campanha de Lula criticou o PSDB por ter espalhado que havia o risco de calote na dívida se o petista fosse eleito. À época, a Folha noticiou que o PT montava uma central antiboatos, preocupado com a repetição do fenômeno ocorrido em 1989.

1998

Na mais morna das campanhas, em que FHC foi reeleito sem sustos, a economia voltou a despertar ataques contra o governo da época. Era a primeira disputa em que a reeleição foi autorizada.

Criticada por opositores, a gestão do PSDB precisou se blindar contra a tese de que haveria, logo após a votação, mudanças na economia, diante de um cenário de crise internacional e fuga de dólares do país.

Lula concorria pela terceira vez. Semanas antes da eleição, a propaganda do PT divulgava na TV: "Governo brasileiro negocia secretamente com o FMI um pacote monstruoso para logo após as eleições: cortes sociais e impostos desumanos". O PSDB ganhou direito de resposta.

2002

Uma onda de especulações sobre eventuais medidas de Lula, caso eleito, afetou a economia brasileira naquele ano, com alta do dólar e da inflação. O petista esteve à frente das pesquisas desde o ano anterior.

No início da campanha, Lula divulgou um documento considerado histórico, a Carta ao Povo Brasileiro, no qual se comprometeu a manter os fundamentos econômicos em vigor e a respeitar contratos.

Também no campo da economia, o trauma vivido com a ascensão e a queda de Collor, afastado em 1992, serviu de munição naqueles anos contra candidatos que nada tinham a ver com o presidente afastado.

Em 2002, o confisco das poupanças ordenado em 1990 voltou a virar tema de campanha, até porque a Argentina vivia drama parecido, com a implantação de um bloqueio bancário apelidado de corralito.

O então presidenciável Anthony Garotinho acusava o adversário Ciro Gomes de planejar algo parecido. "O Ciro vai fazer o que o Collor fez. Eu não vou tocar na caderneta de poupança de ninguém."

2006

Um dos termômetros para o alcance ou a preocupação com boatos e distorções é a resposta dos candidatos atacados. Não raras vezes é preciso vir a público rechaçar teses especulativas e conter danos.

Uma das mais curiosas reações foi a do então presidenciável tucano Geraldo Alckmin.

Ao reagir a afirmações de adversários petistas de que iria acelerar privatizações se eleito, Alckmin vestiu no segundo turno um boné do Banco do Brasil e uma jaqueta com logomarcas de outras estatais, como Correios, Petrobras e Caixa, e posou para fotos em agenda de campanha.

Em tom de desabafo, disse: "Quero desfazer o boato, me sinto até constrangido em ter que fazê-lo. Meu programa tem 216 páginas e nenhuma linha que trate de privatização".

O adversário dele no segundo turno naquele ano foi o seu atual companheiro de chapa, Lula.

O então candidato a presidente do PSDB, Geraldo Alckmin, posa com jaqueta com logotipos de estatais para rebater acusações sobre planos de privatização
O então candidato a presidente do PSDB, Geraldo Alckmin, posa com jaqueta com logotipos de estatais para rebater acusações sobre planos de privatização - Alan Marques - 18.out.06/Folhapress

2010

A disputa presidencial que opôs a então estreante Dilma Rousseff (PT) e novamente o tucano José Serra (postulante em 2002) teve a religião como tema de destaque. Petistas atribuíram a realização do segundo turno, mesmo diante do favoritismo de Dilma, a ondas de boatos nas igrejas sobre o tema do aborto.

Em debate após a primeira votação, o tema foi muito discutido. Dilma disse que Serra regulamentou o acesso ao aborto no SUS quando foi ministro. O tucano pôs em dúvida a crença de Dilma em Deus.

Serra se dizia atacado também por "blogs sujos" financiados com dinheiro público pelo governo da época.

Reportagem da Folha mostrou na época que boatos contra o tucano em Manaus ajudaram a derrubar a votação dele na cidade. Adversários atribuíam a ele proposta de acabar com a Zona Franca de Manaus, e o candidato acabou o primeiro turno com apenas 6,6% dos votos válidos na capital, ante 32,6% no país.

O PSDB era alvo ainda de especulações sobre um suposto plano de acabar com o Bolsa Família. Serra chamava os ataques de "terrorismo eleitoral" e prometeu duplicar os investimentos no programa social.

"Por que a pergunta? Porque disseram para você que eu vou acabar [com o programa]? Então eu gostaria de saber a fonte. Isso é uma mentira total", afirmou ele, irritado, a uma repórter de uma rádio estatal.

Na eleição seguinte, quando o candidato do PSDB foi Aécio Neves, o partido propôs que o Bolsa Família se tornasse em lei "política de Estado", como forma de debelar os rumores.

2014

Destaque nas pesquisas de intenção de voto em meados da campanha, a então candidata do PSB, Marina Silva, passou dias rebatendo especulações e ataques sobre seu programa de governo.

No horário eleitoral, Dilma, candidata à reeleição, dizia que a adversária, em razão de seu foco ambiental, iria parar a exploração do pré-sal, um dos trunfos políticos do PT.

A estratégia de desconstrução de Marina ficou simbolizada em um vídeo sobre uma proposta de autonomia do Banco Central no qual a comida desaparecia do prato de uma família. Marina acabou em terceiro lugar e, devido ao episódio, até este ano não mostrava disposição em se reaproximar do PT.

Aquela foi a primeira eleição com uso mais disseminado do WhatsApp. No dia do segundo turno, espalhou-se rapidamente o boato de que havia morrido envenenado o doleiro Alberto Youssef, preso e delator da Operação Lava Jato, investigação que ainda estava em suas fases iniciais. A história falsa incluía ainda o relato de que a informação estaria sendo segurada por causa da realização do pleito.

A PF e a filha dele rechaçaram a farsa. "É mentira. Ele está bem", disse Caroline Youssef à Folha.

2018

"No voto para presidente, não aparece a opção 'confirma'. Aparece a tela gravando. Ou seja: está adulterado e fraudado." A frase sobre as urnas é de uma live do então deputado federal Fernando Francischini, à época do PSL do Paraná, no dia da eleição de 2018 e custou a ele a cassação do mandato três anos depois na Justiça Eleitoral por difusão de desinformação.

A eleição daquele ano marcou uma explosão de mentiras, já ultrapopularizadas pelo país, assim como a dos apps de mensagens, que passaram a ser via de transmissão de farsas por meio de vídeos e áudios.

Reportagem da Folha revelou na época também que empresários apoiadores de Jair Bolsonaro (então no PSL) bancaram a compra de envios de mensagens em massa contra o PT no segundo turno da eleição.

Além do volume de mentiras, o pleito entrou para a história pelos questionamentos à integridade da Justiça Eleitoral. Líder nas pesquisas, Bolsonaro esteve à frente dessa mobilização e acabou eleito.

Um dos símbolos brasileiros das "fake news", expressão popularizada com a eleição de Donald Trump nos EUA em 2016, foi a chamada "mamadeira de piroca". A farsa falava de mamadeiras com bico em formato de pênis que teriam sido distribuídas em creches pelo PT "com a desculpa de combater a homofobia".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.