Descrição de chapéu Eleições 2022

Tarcísio flutua de bolsonarista a técnico e enfrenta recuos e tropeços na reta final

Ex-ministro tenta se descolar da imagem de forasteiro e aposta em Bolsonaro, mas enfrenta desgaste com tiroteio em Paraisópolis

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São Paulo

"Ah, é um colégio", responde Tarcísio de Freitas (Republicanos), 47, ao ser questionado sobre seu local de votação, constrangido com um meio sorriso. A situação piora quando a apresentadora da TV Vanguarda pergunta em qual bairro fica o colégio.

"Ah, agora...". E chacoalha os ombros, assumindo que não sabe. A apresentadora ajuda: "Fugiu à cabeça, né?".

A cena marcou a campanha do ex-ministro da Infraestrutura que, apoiado por Jair Bolsonaro (PL), entrou com favoritismo no segundo turno pelo Governo de São Paulo, apesar das críticas por ter mudado seu domicílio eleitoral para São José dos Campos (SP) apenas em outubro de 2021. Como mostrou a Folha, Tarcísio não morava no apartamento que alugou do próprio cunhado.

Tarcísio de Freitas (Republicanos) durante evento evangélico no último dia 19, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Nascido no Rio de Janeiro, Tarcísio foi radicado em Brasília. Sua imersão eleitoral em São Paulo é um projeto de Bolsonaro –antes, o candidato pretendia concorrer ao Senado por Goiás.

A aposta teve resultado. No primeiro turno, Tarcísio bateu o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que concorreu amparado na tradição de quase 30 anos de gestões tucanas e na distribuição de benesses da máquina paulista, e terminou à frente do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que liderava as pesquisas.

O bolsonarista teve 42,32% dos votos válidos; o petista, 35,7%, e o tucano, 18,4%. Haddad venceu na capital que administrou e na região metropolitana, numerosas em população, mas Tarcísio pintou o interior de verde e amarelo.

Neste sábado (29), Tarcísio terminou a campanha com uma carreata em São Bernardo do Campo (SP), mas sem Bolsonaro. Haddad venceu na cidade, berço do PT, que também foi palco, na véspera do primeiro turno, do encerramento da campanha de Rodrigo.

Apesar de ter liderado a votação no primeiro turno e ter iniciado a campanha do segundo turno à frente nas pesquisas, Tarcísio cometeu uma série de tropeços na reta final que levaram à diminuição da diferença para Haddad.

A pesquisa Datafolha deste sábado (29) mostra Tarcísio com 53% dos votos válidos ante 47% de Haddad. No último dia 19, o placar era de 55% a 45%.

Depois de repercussão ruim, Tarcísio recuou, ao menos parcialmente, em planos sobre a retirada das câmeras dos uniformes de PMs, a venda da Sabesp e a extinção da Secretaria de Segurança Pública.

Um tiroteio que interrompeu sua agenda em Paraisópolis, no último dia 17, se tornou seu principal revés depois que a Folha revelou que a equipe de Tarcísio mandou um cinegrafista apagar as imagens do confronto entre seguranças da campanha e suspeitos.

O tema gerou desgaste para Tarcísio no debate da TV Globo, na quinta (27), em que o candidato argumentou que seu segurança, licenciado da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), agiu de boa-fé com a ordem ao cinegrafista, pensando em preservar os envolvidos, mas ouviu de Haddad que atrapalhar a investigação é irregular.

Inicialmente, Tarcísio tentou explorar o tiroteio como um atentado, mas o próprio candidato voltou atrás, já que a investigação não apontava isso. Aliados insistiram na tese, assim como Bolsonaro compartilhou as cenas em seu horário eleitoral.

Ao longo da campanha, Tarcísio flutuou entre a identidade de técnico e a de bolsonarista, na complexa missão de expandir seu eleitorado rumo ao centro moderado sem perder a confiança da base ideológica.

Tido como menos radical do que Bolsonaro, ele colou sua campanha na do presidente, o defendeu em debates, o levou para a propaganda na TV e participou de motociatas. Esteve com ele ainda em cultos evangélicos e chegou a levar uma multa por fazer campanha dentro de igreja.

"Deus tem uma bênção declarada para o Brasil. […] O Brasil vai ser próspero porque o bem vai vencer o mal. […] A vitória vai chegar", disse no último dia 23, na Igreja Mundial do Poder de Deus.

"Até acreditava que fosse [menos bolsonarista], mas não acredito mais", disse Haddad sobre o rival na sabatina Folha/UOL, elencando opiniões que considera negacionistas, como se declarar contrário à obrigatoriedade da vacinação de crianças.

Mas Bolsonaro não foi o único padrinho de peso –Gilberto Kassab (PSD) foi outro patrocinador de Tarcísio e usou sua experiência para negociar alianças e conquistar apoio dos prefeitos.

Em caso de vitória, ambos vão disputar a influência sobre o comando do estado, enquanto aliados apostam que Tarcísio comandará uma gestão independente e com uma agenda de direita.

Guilherme Afif (PSD) e Eleuses Paiva (PSD) comandaram seu programa de governo e são indicados como possíveis secretários por Tarcísio, que anuncia um "secretariado técnico" para afastar especulações de que bolsonaristas, como Nise Yamaguchi (Pros) ou Eduardo Cunha (PTB), que estiveram ao seu lado na campanha, venham a ocupar postos de poder.

Oficial do Exército que serviu à missão de paz no Haiti e servidor nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), o engenheiro Tarcísio apostou em seu legado de estradas, leilões e ferrovias no comando do Ministério da Infraestrutura. Ele teve que se explicar, no entanto, pelo fato de São Paulo estar na lanterna dos investimentos na pasta.

Alinhado ao mercado, Tarcísio repetiu motes como dar velocidade, fazer São Paulo ser a locomotiva do país, gerar emprego e ter foco no social. Também buscou evitar temas como a segurança das urnas eletrônicas e ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal).

De outro lado, Tarcísio se comprometeu com pautas bolsonaristas. As câmeras da PM, por exemplo, defendidas por especialistas com base nas próprias estatísticas, são desaprovadas pelo seu "datapovo".

O alinhamento a Bolsonaro foi manifestado ainda no entorno de aliados ideológicos e deputados polêmicos, como Douglas Garcia (Republicanos) e Frederico D’Avila (PL); no discurso contra o que considera censura do TSE (Tribunal Superior Eleitoral); nas suspeitas contra institutos de pesquisas; e na defesa de pautas conservadoras, como redução da maioridade penal.

Tarcísio trouxe à campanha uma expressão eternizada por Paulo Maluf, a "Rota na rua". Em evento com Michelle Bolsonaro, ele agitou a plateia ao repetir tal frase e citou passagens bíblicas, como a parábola do mordomo infiel, para atacar Lula (PT) como corrupto.

Surfando na aversão à esquerda em São Paulo, Tarcísio ampliou sua coligação no segundo turno e recebeu o "apoio incondicional" de Rodrigo, que abraçou também Bolsonaro apesar de pregar contra a polarização na campanha.

O endosso veio acompanhado de crise no PSDB e de demissões de secretários, mas deu a senha para que mais de 500 prefeitos se juntassem aos bolsonaristas, que foram recebidos com tapete vermelho no Palácio dos Bandeirantes –outrora ocupado por João Doria, adversário do presidente.

Tarcísio é apoiado pelo centrão –Republicanos e PL—, além do PSD de Kassab e do PTB de Roberto Jefferson. No segundo turno, embarcaram PSDB, MDB, PP, Podemos e União Brasil.

A campanha contou mais com doações de grandes empresários, que somaram R$ 19 milhões, do que com verba das siglas, que chegou a R$ 15,5 milhões –num total de R$ 34,5 milhões.

Na reta final, Tarcísio se recusou a participar de alguns debates e sabatinas, mas intensificou a aproximação com líderes religiosos. Nas primeiras três semanas de outubro, esteve em ao menos oito cultos, onde repetiu o mesmo discurso eleitoral baseado na Bíblia, e encontros com pastores, entre eles, o apóstolo Estevam Hernandes, fundador da igreja Renascer em Cristo, presença recorrente na campanha.

Tarcísio não levou a cabo uma campanha tão ofensiva –seu marketing se preocupou mais em apresentá-lo e fixar seu número. Mas divulgou peças que associavam Haddad e o PT a obras em Cuba e na Venezuela, além de propagar que o petista foi o pior prefeito de São Paulo.

Já Haddad buscou ligar Tarcísio à imagem de aventureiro, incompetente, insensível e violento de Bolsonaro, sobretudo em relação à pandemia. Também o criticou por não conhecer o estado. No discurso do petista, uma vitória do rival significaria importar para São Paulo as milícias do Rio e colocar os paulistas nas garras do centrão e do bolsonarismo.

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