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ataque à democracia Congresso Nacional

Cerimônia do 8/1 renova força-tarefa contra golpismo; ausentes passam recibo

Autoridades reforçam punições e fazem campanha por regulação de redes, em data com inevitáveis interesses políticos em jogo

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Brasília

Além dos esperados desagravos e adjetivos carregados, as cerimônias em memória dos atos golpistas de 8 de janeiro serviram para renovar uma espécie de força-tarefa formada por algumas das autoridades mais poderosas de Brasília.

O evento principal, que reuniu chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, repetiu o caráter simbólico das primeiras reações aos ataques, ainda no início de 2023. Um ano depois, a reunião desses mesmos atores também foi palco da defesa de uma agenda mais concreta.

Boa parte dos discursos passou por um tripé que se consolidou como linha mestra da resposta aos ataques: a punição exemplar aos envolvidos nos atos, a regulação das redes sociais em que se cultivou o caldo dos ataques e um isolamento dos grupos políticos que alimentaram os desejos golpistas.

O presidente Lula (PT), o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, e o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em ato de memória dos ataques do dia 8 de janeiro de 2023 - Gabriela Biló/Folhapress

Ainda que um imperativo democrático deixe pouca margem para contestação ao lema dos eventos, nenhuma das ações propostas apareceu desprovida dos interesses políticos de certos grupos. Era evidente que cada autoridade aproveitaria o repúdio aos ataques para impulsionar plataformas ou decisões de sua preferência.

As penas impostas aos invasores dos prédios dos três Poderes e a defesa de uma investigação ampla contra outros envolvidos apareceram já no discurso de Luís Roberto Barroso, numa primeira cerimônia, na sede do STF.

O presidente do tribunal apontou que a corte trabalhava para que as punições fossem didáticas, acrescentando que a condescendência seria um incentivo para que os derrotados nas próximas eleições sentissem liberdade para contestar o resultado mais uma vez.

O objetivo de Barroso era reforçar uma marca do STF neste último ano. Num tribunal notoriamente dividido, a reação aos golpistas se revestiu de um caráter institucional, com uma maioria confortável nas discussões em plenário (com a ressalva de uma certa generosidade dos dois ministros indicados por Jair Bolsonaro).

O respaldo de Barroso foi também uma opção política diante de críticas feitas à condução das investigações e ao tamanho das penas impostas aos condenados –feitas principalmente por apoiadores fervorosos de Bolsonaro, mas também dentro do mundo jurídico.

Na prática, o presidente do STF deu guarida à figura que se confunde com o esforço de punição aos golpistas: o ministro Alexandre de Moraes. Em seu discurso, no Congresso, Moraes se comprometeu a manter o rigor nas investigações e julgamentos.

Em especial, o ministro marcou seu pronunciamento com um rechaço a uma política de apaziguamento –tradicionalmente acionada para evitar a punição de peixes grandes, sob o pretexto de evitar uma escalada de tensões políticas.

Moraes descreveu esse caminho como o erro de "alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado". Ninguém precisaria ler os pensamentos do ministro para supor, com uma boa chance de acerto, que ele se referia ao avanço de investigações contra Bolsonaro e militares.

Se Barroso e Moraes falaram em nome do tribunal, onde os acusados enfrentam julgamento sob o manto da imparcialidade, Lula emendou um apelo inevitavelmente menos neutro. O presidente pediu uma punição exemplar aos envolvidos nos ataques, sob o argumento de que um perdão soaria como um salvo-conduto para condutas antidemocráticas.

A dobradinha entre o Executivo e o Judiciário surgiu de forma igualmente evidente numa campanha pela criação de regras para o conteúdo distribuído nas redes sociais. Tanto Lula como Moraes, enfático defensor dessa regulação, aproveitaram o palanque para empurrar a agenda, que ficou travada no Congresso.

Lula confirmou as intenções do governo de aplicar seu peso político na aprovação de um projeto sobre o conteúdo das plataformas digitais. "Nossa democracia estará sob constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais", disse.

Aqui, o presidente inevitavelmente atiça opositores dessas medidas, capitaneados pelo próprio Jair Bolsonaro. Ao assumir a regulação das redes como prioridade, Lula revolve teorias de que o governo tem interesse em fazer um controle político do conteúdo das plataformas.

O peso dado por Moraes ao tema em seu pronunciamento indica que o ministro pretende brigar na linha de frente pela aprovação do projeto. O ministro se referiu ao uso das redes por radicais como "um dos grandes perigos modernos à democracia" e usou mais de uma vez a expressão "novo populismo digital extremista" para descrever a ameaça.

A formatação dos eventos desta segunda-feira (8), sob a bandeira da união pela democracia, tentava ainda reeditar um lance que conseguiu isolar um núcleo político golpista nos dias que se seguiram aos ataques de 2023.

Se no dia 9 de janeiro do ano passado governadores de diversos partidos marcharam ao lado de Lula na praça dos Três Poderes, desta vez alguns dos principais personagens alinhados ao bolsonarismo preferiram se ausentar.

Alguns argumentaram que as cerimônias estavam politicamente contaminadas ou havia protagonismo excessivo do governo Lula –algo que nem o próprio presidente fez muita questão de esconder.

Ainda assim, os ausentes passaram um recibo difícil de ignorar. Mesmo que quisessem marcar alguns pontos com Bolsonaro ou apenas evitar que Lula tirasse proveito de suas presenças, aquela pareceu uma péssima hora para marcar uma posição.

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