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Eleições 2024

Marta alivia, mas não resolve problemas de Boulos

Lula aliena novamente o PT com escolha da ex-prefeita para a chapa em São Paulo

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São Paulo

O histórico do cargo nos últimos anos na Prefeitura de São Paulo desaconselha tratar vices como peças decorativas, como provam Gilberto Kassab, Bruno Covas e Ricardo Nunes, todos alçados da posição para chefia da maior cidade do país em circunstâncias diversas.

Isso dito, a escolha não deve ser superestimada: vice pode até atrapalhar, mas agrega pouquíssimo quando o assunto é o voto. Debates sobre nomes tendem a excitar mais jornalistas, políticos e marqueteiros.

Lula com Marta na reunião em que fechou a entrada da ex-prefeita na chapa de Boulos
Lula com Marta na reunião em que fechou a entrada da ex-prefeita na chapa de Boulos - Ricardo Stuckert - 8.jan.2024/Presidência da República

Assim, o furor em torno da mais recente virada de lado de Marta Suplicy, agora rumando de volta ao PT que a lançou na vida pública, deve ser lido com o famoso grão de sal do provérbio inglês.

A ex-prefeita, que governou de 2000 a 2004, integrará a chapa do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) por obra de um dedaço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi o petista, e mais ninguém, que operou a traição de Marta ao prefeito Nunes (MDB), que a abrigou no seu secretariado.

De pronto, aliados do alcaide apontam a jogada como uma vulnerabilidade fatal para a campanha de Boulos, o que é um evidente exagero. Ainda que o tema por óbvio será abordado, ele só teria importância se o psolista colocasse Marta como a linha de frente na infantaria de quem vai atacar a gestão Nunes.

A ex-prefeita serve a outros fins. Traz consigo antigas marcas que ainda ressoam no imaginário popular, como os CEUs e o Bilhete Único, mas principalmente agrega um simbolismo à la José Alencar ou Geraldo Alckmin a uma chapa identificada com o radicalismo político.

Marta transita muito bem na elite paulistana e entre seu empresariado. É esse seu grande apelo na conta de custo-benefício feita por Lula ao alienar novamente o PT paulista de decisões sobre o seu futuro —além de demonstração da prioridade inaudita dada pelo presidente à disputa.

Contra o partido há o fato de que ele não produziu nenhuma liderança autóctone desde a própria Marta: o hoje ministro Fernando Haddad, prefeito de 2013 a 2016, foi outra criação saída do laboratório de Lula. Os 8,6% do sexto lugar de Jilmar Tatto em 2020, pior desempenho da história da sigla na capital, dizem tudo.

Por outro lado, não se deve comprar pelo valor de face a densidade eleitoral de Marta. A própria, que mesmo com uma gestão considerada boa e com as tais marcas não conseguiu se reeleger em 2004, perdeu ainda duas eleições na cidade —ficando num humilhante quarto lugar, com 10%, em 2016.

Pode-se argumentar que era outra era geológica na política: uma eleição em que o apoio da então ex-petista ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) lhe valeu a pecha de golpista na esquerda, enquanto a direita ainda a associava ao partido de Lula. E que venceu em alguns redutos pobres na zona sul.

Mas é pouco, e no comando da campanha de Boulos todos sabem que o psolista já tende a ter uma votação mais robusta nessas regiões.

O que Marta não resolve são os problemas centrais da campanha de Boulos, a saber: a acusação de que ele irá ser tolerante ou incentivar o caos urbano na cidade e o discurso sobre segurança pública, o eterno calcanhar de Aquiles da esquerda brasileira.

Para o primeiro ponto, que já está sendo ativamente operado pelos aliados de Nunes, há pouco a fazer no momento. Boulos tem uma associação histórica com os sem-teto e, como dizem seus aliados, um DNA radical incurável acerca de temas sociais.

A esperança de sua campanha é que os adversários partam para a caracterização caricatural desse radicalismo, ao estilo das "mamadeiras de piroca" e "kits gay" associados pelo bolsonarismo a Haddad na disputa presidencial de 2018. Tais exageros e fake news seriam mais facilmente combatíveis, na avaliação dos psolistas.

Mas se associação colar e se refletir em pesquisas, o terreno fica minado, sobrando a Boulos apenas beijar a cruz da moderação com alguma "carta aos paulistanos", ao estilo da Carta ao Povo Brasileiro que selou o compromisso de Lula com a ortodoxia econômica tucana na campanha de 2002.

Sobre segurança, que é um problema tecnicamente mais do governo estadual, mas cuja conta costuma ser dividida por todos governantes, a palavra-chave é o binômio PCC/cracolândia —e o temor a ser propagado pelos rivais de Boulos de que a terra sem lei se multiplicará pela cidade sob uma gestão mais leniente do psolista.

Aqui, a tática deverá ser jogar de lado, exceto que Boulos arrisque romper com o receituário da esquerda para o problema, que usualmente não ataca questões estruturais. Como isso não deve ocorrer, Nunes não tem o que apresentar no setor e planos de rivais como Tabata Amaral (PSB) sejam incógnitas por ora, é provável que o enxugamento de gelo siga dando o tom.

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