Decisão de Moraes aponta caminho em etapas até indicação do chefe da quadrilha

Despacho do ministro do STF ainda não traz descrição da hierarquia do grupo criminoso e a eventual indicação do enquadramento de Bolsonaro na estrutura

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São Paulo

A falta da descrição nas decisões do ministro do Supremo Alexandre de Moraes sobre a hierarquia da suposta organização criminosa que planejava um golpe de Estado em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) indica uma estratégia de investigação por etapas que é adotada em casos com grupos criminosos complexos.

As decisões também não apontam qual seria o eventual enquadramento jurídico do ex-presidente na estrutura sob apuração. Apesar de várias condutas de Bolsonaro terem sido descritas nas investigações, como a suposta participação na elaboração de uma minuta de decreto para executar um golpe, ele não foi alvo de medidas mais severas como busca e apreensão.

Na atual etapa, foi determinado apenas o recolhimento de seu passaporte e que ele não se comunique com outros investigados.

Policiais federais deixam o prédio onde fica a sede do PL (Partido Liberal) após cumprirem mandado de busca e apreensão.
Policiais federais deixam o prédio onde fica a sede do PL após cumprirem mandado de busca e apreensão - Pedro Ladeira - 8.fev.24/Folhapress

Segundo a decisão de Moraes, a PF identificou diversos núcleos da organização criminosa e apontou os nomes de seus integrantes, mas Bolsonaro não foi incluído em nenhum deles.

Para a PF, a organização criminosa pode ser dividida em seis grupos: núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral; núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado; núcleo jurídico; núcleo operacional de apoio às ações golpistas; núcleo de inteligência paralela; e núcleo de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos.

Segundo o criminalista Maurício Zanoide de Moraes, professor de processo penal da USP, a descrição desses núcleos indica as funções desempenhadas por parte dos suspeitos, mas não revela a hierarquia do grupo.

Zanoide de Moraes diz que a definição da cadeia de comando é requisito básico para a caracterização do crime de organização criminosa, razão pela qual outras etapas de investigação devem estar em curso.

Pierpaolo Bottini, criminalista e professor de direito penal da USP, afirma que "investigar organizações criminosas não é tarefa simples, deve haver método e inteligência. Em regra, parte dos executores diretos dos atos e aos poucos colhe informações sobre sua estrutura, hierarquia e comando. A identificação da cúpula leva algum tempo, é o ato final do processo".

Para a advogada criminalista Ana Carolina Moreira Santos, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subsecção Pinheiros, "a partir da colheita de provas com a identificação dos autores imediatos, das ações por eles perpetradas e dos objetivos, é possível a identificação dos autores mediatos, os membros da cúpula da organização criminosa".

De acordo com a decisão de Moraes, a atual etapa das apurações aborda fatos relacionados à tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de Direito.

Estão sob apuração ações do grupo para "disseminar a narrativa de ocorrência de fraude nas eleições presidenciais, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e, eventualmente, legitimar uma intervenção das Forças Armadas, com abolição violenta do Estado democrático de Direito, em dinâmica de verdadeira milícia digital", segundo Moraes.

Um dos fatos mais graves atribuídos a Bolsonaro pela PF foi a suposta atuação na elaboração da minuta de um decreto para dar uma roupagem formal às ações golpistas.

Segundo a decisão de Moraes, a minuta "consubstanciava medidas de exceção, com detalhamento de ‘considerandos’ acerca de suposta interferência no Poder Judiciário no Poder Executivo, para decretar a prisão de diversas autoridades e a realização de novas eleições".

O rascunho do decreto teria sido objeto de reuniões convocadas pelo então presidente Bolsonaro que envolveram tanto integrantes civis do governo como militares da ativa, de acordo com a PF.

"Quanto ao ponto, a autoridade policial destaca a ocorrência de monitoramento de diversas autoridades, inclusive do relator da presente investigação [Moraes], no sentido de assegurar o cumprimento da ordem de prisão, em caso de consumação das providências golpistas", completa a decisão.

Para Moraes, já está comprovada a prática de crimes contra a democracia e associação criminosa, cuja soma das penas máximas chega a 23 anos de prisão.

A punição aos investigados, porém, pode superar esse total caso fique comprovado que os suspeitos também cometeram atos de violência.

O delito mais grave descrito no despacho é o de tentativa de dar um golpe de Estado —que tem pena mínima de 4 anos e máxima de 12 anos, além da punição correspondente à violência empregada para a busca de tomada do poder.

O outro delito reconhecido por Moraes é o de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Esse crime ocorre quando alguém atua com violência ou grave ameaça para impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais, como, por exemplo, o livre funcionamento do Supremo. A punição vai de 4 a 8 anos de prisão, além da pena relativa à violência utilizada.

Em relação a suspeitos presos na operação da PF de quinta-feira (8), Moraes também citou a ocorrência do crime de associação criminosa, que tem pena de 1 a 3 anos de reclusão.

Caso seja indiciado, processado e condenado por esses três crimes, Bolsonaro, hoje com 68 anos, poderá ficar inelegível por mais de 30 anos.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, na hipótese de condenação sob acusação de um plano de golpe, a inelegibilidade decorreria do artigo 15 da Constituição Federal, que prevê que os punidos penalmente após esgotados seus recursos aos tribunais têm os direitos políticos suspensos durante o período de execução de suas penas e, por isso, não podem ser votados ou votar.

Assim, na hipótese de aplicação das penas máximas, Bolsonaro ficaria inelegível por 23 anos.

Especialistas em direito eleitoral dizem que, a esse período, ainda poderia ser acrescida a punição de inelegibilidade de 8 anos estabelecida na Lei da Ficha Limpa, perfazendo assim 31 anos de proibição de disputar eleições.

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