Descrição de chapéu 60 anos do golpe

São Paulo esquece as marcas da ditadura militar

Conheça nove pontos da capital paulista ligados a episódios da repressão

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Rubens Cavallari/Folhapress

São Paulo

A memória brasileira tem falhado quando se trata de deixar registrada para a história a violência praticada pelo Estado durante a ditadura militar, que se estendeu de 1964 a 1985. A cidade de São Paulo é um bom exemplo desse descaso.

Apesar de a capital paulista ter presenciado parte expressiva dos 434 desaparecimentos e mortes identificados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), são poucos os lugares na cidade onde existe alguma recordação do período.

Um deles é o Memorial da Resistência. Localizado ao lado da Sala São Paulo, o museu funciona no prédio onde estava instalado o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), um dos principais órgãos de repressão daquele período.

Fachada da sede do Dops em São Paulo em 1983; hoje no local, estão uma parte da Pinacoteca e o Memorial da Resistência - Evanir R. Silveira - 9.mar.1983/Folhapress

Também na região da Luz, há o Portal de Pedra, único resquício do que fora o Presídio Tiradentes, um outro símbolo da ditadura. Nessa cadeia, a ex-presidente Dilma Rousseff foi presa e torturada em 1970.

Na altura do número 800 da alameda Casa Branca, existe um monólito. A pequena pedra encravada na calçada dos Jardins lembra o guerrilheiro Carlos Marighella, morto em 1969 no local depois de ser atingido por quatro tiros, em uma operação comandada pelo então delegado do Dops Sérgio Paranhos Fleury.

Com exceção de raros casos como esses citados, a memória social da cidade em torno da ditadura sobrevive apenas entre parentes e amigos das vítimas e de grupos organizados que ainda buscam justiça.

Os espaços que podemos associar à "não memória" são aqueles onde opositores do regime militar foram assassinados ou vistos pela última vez antes de desaparecer nos porões da repressão.

Conheça nove deles, fotografados nos últimos dias pela Folha.

Rua Albuquerque Lins, 850 - Otavio Valle/Folhapress

Rua Albuquerque Lins, 850, Santa Cecília

Novos prédios foram construídos no local, e o ponto exato não existe mais. Segundo a versão oficial da época, o militante Hiroaki Torigoe teria reagido à prisão e disparado contra os agentes dos órgãos de repressão na rua Albuquerque Lins, na Santa Cecília, em 5 de janeiro de 1972.

Depois de ser preso, torturado e morto no DOI-Codi, foi enterrado sob identidade falsa no cemitério de Perus.

Rua Martins Fontes, 268 - Otavio Valle/Folhapress

Rua Martins Fontes, 268, centro

Mesmo após ter deixado a luta armada e a militância, Edgard de Aquino Duarte, um ex-militar, foi delatado pelo Cabo Anselmo. Sua prisão foi a confirmação de Anselmo como agente infiltrado.

Com o nome de Ivan Melo e trabalhando na Bolsa de Valores, Edgard foi capturado em seu apartamento na rua Martins Fontes, região central de São Paulo, e levado para o Dops, onde foi visto com vida pela última vez em 22 de junho de 1973.

Esquinas das ruas Heitor Peixoto e Ingles de Souza, no Cambuci - Rubens Cavallari/Folhapress

Rua Heitor Peixoto, Cambuci

Segundo a versão oficial, Gastone Lúcia Carvalho Beltrão foi morta em 22 de janeiro de 1972 durante uma troca de tiros com agentes da repressão na rua Heitor Peixoto, esquina com a Inglês de Souza, no Cambuci.

Em 1996, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) comprovou a falsidade da versão da ditadura. Gastone foi morta depois de presa pelos agentes dos órgãos de segurança.

Esquina das ruas Consolação e Maria Antônia - Otavio Valle/Folhapress

Rua da Consolação, esquina com a rua Maria Antônia, Vila Buarque

De acordo com a versão dos militares, um Fusca explodiu na esquina da Consolação com a Maria Antônia na madrugada de 4 de setembro de 1969. No carro, estariam Ishiro Nagami e Sérgio Roberto Corrêa, supostamente mortos pela detonação dos explosivos que transportavam.

O nome de Ishiro consta no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos, mas o processo de responsabilização do Estado foi indeferido. A identificação de Sérgio não foi comprovada.

Rua Caiubi, 164 - Rubens Cavallari/Folhapress

Rua Caiubi, 164, Perdizes

O convento dos frades dominicanos em Perdizes tornou-se um local de resistência à ditadura militar. Os frades Tito, Betto, Oswaldo, Fernando e Ivo passaram a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional (ALN), comandado por Carlos Marighella. A história deles foi às telas em "Batismo de Sangue" (2006), do diretor Helvécio Ratton.

Frei Tito de Alencar Lima ajudou a organizar o congresso realizado clandestinamente pela UNE em Ibiúna (SP) em 1968. Preso e torturado, foi libertado e banido do país após o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher. Abalado pelas torturas sofridas na prisão, enforcou-se na França em 1974. Foi reconhecido como vítima da ditadura pela CEMDP.

Rua Pio XI, 767 - Rubens Cavallari/Folhapress

Rua Pio XI, 767, Lapa

Na manhã de 16 de dezembro de 1976, ao menos 10 viaturas do Exército e 40 agentes policiais e militares —armados com revólveres, carabinas e metralhadoras-- cercaram a casa de número 767 da rua Pio XI, na Lapa. No episódio que ficou conhecido como o "Massacre da Lapa", Ângelo Arroyo e Pedro Pomar foram mortos na casa que servia de aparelho do Partido Comunista.

A versão oficial da época dizia que eles foram mortos após trocar tiros com os agentes de segurança. Em 1996, a CEMDP comprovou a falsidade dessa informação.

Rua Siqueira Bueno, 668 - Rubens Cavallari/Folhapress

Rua Siqueira Bueno, 668, Belenzinho

Nas paredes, restaram apenas as marcas do que um dia foi a Metal Art no Belenzinho. Nessa metalúrgica, no dia 16 de janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho foi procurado por dois homens que se identificaram como funcionários da prefeitura. Eram agentes do Dops atrás do prensista porque um colega o denunciara por levar consigo o jornal A Voz Operária.

Foi visto pela última vez por sua família ao ser conduzido até sua casa para busca e apreensão. Uma nota oficial divulgada no dia seguinte dizia que ele havia se enforcado na cela com as próprias meias. No entanto, colegas de trabalho afirmaram que, quando detido, ele usava chinelos sem meias. A morte do operário provocou uma crise no governo militar, que levou à demissão do comandante do 2º Exército, Ednardo D'Ávila Mello.

Rua Caquito, 247 - Rubens Cavallari/Folhapress

Rua Caquito, 247, Penha

No dia 15 de março de 1973, Arnaldo Cardoso da Rocha, Francisco Emanoel Penteado e Francisco Seiko Okama teriam sido mortos durante um cerco montado por agentes de segurança na rua Caquito, próxima ao cemitério da Penha, depois de supostamente reagirem à detenção. Essa era a versão da ditadura.

Mas eles foram vistos ainda com vida por outros presos nas dependências do DOI-Codi após o ocorrido. A narrativa do regime foi desmontada pela Comissão de Mortos e Desaparecidos em 1997.

Rua Serra de Botucatu, 849 - Rubens Cavallari/Folhapress

Rua Serra de Botucatu, 849, Tatuapé

Segundo a versão oficial, no dia 19 de fevereiro de 1972, Alexander José Ibsen Voerões e Lauriberto José Reyes foram mortos na rua Serra de Botucatu depois de um intenso tiroteio com a polícia, que também matou o funcionário público aposentado Napoleão Felipe Biscaldi, morador do Tatuapé. A versão do regime também relatava que os dois rapazes teriam sido responsáveis pelo tiro que atingiu Napoleão.

A CEMDP acolheu as investigações da Comissão de Familiares, que apontaram como um caso "de execução" por parte das forças de segurança, isentando também as vítimas pela morte de Napoleão.

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