Siga a folha

Descrição de chapéu Livros

Livro 'Bate Estaca' relembra o fervo eletrônico que mudou a noite de São Paulo

Camilo Rocha perfila baladas e entrevista personagens das décadas de 1980 a 2000 para manter viva a memória clubber

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Até meados da década de 1980, balada era lugar para ficar bêbado e pegar alguém, e DJ era o cara que mandava para as caixas de som os hits da rádio. A visão limitada da diversão noturna mudaria bastante nas décadas seguintes —os disc jóqueis passariam a ser considerados autores, tocando músicas novas para um público que não queria flertar nem beber até cair, mas só curtir o som e fazer parte de uma turma.

A trilha sonora desta mudança radical de comportamento foi a música eletrônica, e sua cidade irradiadora, São Paulo. Um livro que será lançado nesta sexta (26), "Bate Estaca: Como DJs, Drag Queens e Clubbers Salvaram a Noite de São Paulo", captura esta revolução ao retratar as casas noturnas e os personagens responsáveis por marcarem a noite e a cultura jovem paulistana, no período que vai da redemocratização até o início do século 21.

Keith Flint, vocalista do Prodigy, durante show do grupo no Anhembi - Divulgação

O autor, o DJ e jornalista Camilo Rocha, ele próprio um personagem da cena eletrônica, dedica cada capítulo do livro a uma casa noturna, fazendo a conexão entre o clube e o tipo de som que ali tocava. Relembramos, por exemplo, o Sra. Krawtiz e a chegada do techno, em 1992, contexto que impulsionou as drag queens e a cultura do host e da hostess, pessoas que recebiam os convidados na porta.

Há seções para o histórico Love Club, a D-edge —casa ativa e bem-sucedida ainda hoje—, o extinto festival Skol Beats e também as raves de trance, que reuniam dezenas de milhares de pessoas em fazendas nos arredores de São Paulo. O texto tem tom de reportagem, com informações claras apresentadas em ordem cronológica, e subseções que explicam em detalhes cada uma das vertentes da eletrônica.

Da leitura, se depreende que a capital paulista —hoje uma das principais cidades do mundo para a noite eletrônica—, foi um local propício para a propagação da cultura da pista de dança. "A sociabilidade se dá muito nesses espaços, ao contrário do Rio de Janeiro, onde você tem a praia. São Paulo, por ser essa cidade 'carrocêntrica' e sem grandes espaços públicos, o clube, a discoteca e a danceteria acabaram tendo o papel da sociabilidade", diz Rocha, por telefone.

O autor também destaca a criatividade dos DJs de São Paulo, que se apropriavam de ritmos estrangeiros e davam a eles uma cor brasileira para conquistar o público. Esta antropofagia resultou, por exemplo, na faixa "Sambassim", uma composição de Fernanda Porto depois remixada com uma batida de drum'n'bass pelo DJ Patife. A música estourou na virada para o século 21, quando se tornou sinônimo de sofisticação ao juntar MPB e o estilo eletrônico surgido na Inglaterra.

Rocha dedica um capítulo do livro às casas noturnas da zona leste, região sempre fervilhante mas frequentemente esquecida na história clubber paulistana. Há o saboroso episódio de quando, por acaso, Marquinhos correu para casa para buscar discos e tocar pela primeira vez na matinê da Showbusiness, cobrindo um DJ que faltou.

Mais tarde, Marquinhos, o DJ Marky, se tornaria uma das caras da eletrônica brasileira no exterior, e a Showbusiness viraria a estrondosa Sound Factory, que atraía caravanas de várias regiões de São Paulo para a Penha, nos finais de semana, e lançou drag queens como Elloanigena Onassis e Lyza Bombom.

No início, a Sound Factory tentava emular os clubes de regiões centrais, diz o autor, mas com o tempo a casa encontrou a sua identidade. "Se o Hell's [balada que acontecia nos Jardins] era mais techno, a Sound Factory já começou a ir para o jungle, drum'n'bass."

No mais, acrescenta Rocha, casas situadas fora das regiões centrais precisavam atender a um público muito grande e diverso, de modo que o DJ Patife alternava drum'n'bass com É o Tchan numa balada de Cidade Dutra, na zona sul, na qual discotecava. Nos Jardins e em Santa Cecília, os clubes eram menores e podiam focar numa única vertente de som eletrônico, sem misturar com outros estilos musicais.

"Bate Estaca" se insere numa ainda pequena lista de livros que registra o desenvolvimento da cena noturna da capital paulista e da qual fazem parte "Babado Forte", de Erika Palomino, e "Todo DJ Já Sambou", de Claudia Assef, além de algumas poucas teses acadêmicas. Se sobra material de leitura sobre o rock e a MPB, o mesmo não se pode dizer da música eletrônica.

Rocha conta que não deixar a memória clubber morrer foi o grande estímulo para a sua pesquisa, que afinal trata não só de baladas, mas da própria história de São Paulo. O texto traz entrevistas com DJs, donos de clubes, drag queens e produtores de festa, além de trechos em primeira pessoa, nos quais o autor conta as suas experiências de quem viveu o objeto de estudo antes de teorizar sobre ele.

"Bate Estaca" vai se desdobrar em um documentário, sendo desenvolvido agora pela Grifa Filmes, a mesma produtora da série "Mães do Funk".

Talvez um dos principais legados da noite eletrônica retratada no livro seja o acolhimento da diversidade sexual, esse conceito tão em voga hoje. Rocha lembra que "quem não viveu não tem ideia" do quão preconceituosos e machistas eram os costumes da época.

"Um homem não podia dar a mão para outro em homem em qualquer lugar que ia tomar porrada", diz, lembrando que as pistas de dança dos anos 1980 e 1990 foram pioneiras em quebrar este paradigma.

"A cena de festas criava espaços onde tudo bem fazer isso, onde isso não era um problema. A questão da diversidade era valorizada. Então isso foi benéfico para a cidade como um todo."

Bate Estaca: Como DJs, Drag Queens e Clubbers Salvaram a Noite de São Paulo

Avaliação:
  • Quando: Lançamento dia 26 de julho, às 19h, com bate-papo entre o autor e Claudia Assef e sessão de autógrafos
  • Onde: Livraria Megafauna - av. Ipiranga, 200, loja 53, São Paulo
  • Preço: R$ 99,90 (224 págs.)
  • Autoria: Camilo Rocha
  • Editora: Veneta

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas