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Setor de vinhos e destilados vê expansão apesar de custo alto

Produtores aperfeiçoam produção, mas se queixam de ausência de incentivos

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Roberto Saraiva
São Paulo

O mercado nacional de vinhos e de destilados para pequenos e médios produtores vive um momento de aumento tanto de demanda quanto de oferta e de profissionalização da cadeia produtiva, mas fabricantes reclamam de custos e entraves burocráticos.

Para Paulo Brammer, diretor fundador da Enocultura, escola de vinhos e de destilados, o momento é encorajador para os vinhos, apesar de o país não ter o clima ideal para o cultivo da uva vinífera.

"Chegamos ainda assim em uma boa qualidade de produção, com pessoas rotulando de forma inteligente, moderna, atrativa. Estamos falando de uma produção de três décadas comparável a produtos de primeiro mundo", diz.

Arnaldo Ribeiro, dono da Cana Brasil, de Minas Gerais, diz que enxerga hoje um crescimento sustentado do gim, ele também afirma que a cachaça segue como favorita no mercado e fabricantes artesanais têm ganhado espaço - Alexandre Rezende/ Folhapress

Ainda segundo Brammer, há uma tendência de consolidação de vinhos autorais, com enólogos buscando novos perfis de sabor focados na uva, na acidez e nas características do solo em que os frutos são plantados.

O movimento inclui nomes como o Projeto Cata Terroirs, de Santa Catarina, e Vinhas do Tempo e Arte Líquida, do Rio Grande do Sul, estado que concentra a produção nacional.

Luís Henrique Zanini, 52, é tido como inspiração para essas marcas por promover o resgate de técnicas ancestrais e por ter uma visão menos intervencionista do processo de produção.

Vinhateiro e fundador da Era dos Ventos, de Bento Gonçalves (RS), ele enxerga uma transformação dinâmica no mercado. O fenômeno é puxado por um público novo —com mais informação e também mais exigente— e sustentado por uma maior variedade de pontos de venda.

Em 22 de fevereiro, uma operação de Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e polícias Federal e Rodoviária Federa resgatou 207 trabalhadores baianos contratados por uma empresa terceirizada, a Fênix Prestação de Serviços, alojados em uma pensão em Bento Gonçalves em situação análoga à escravidão, segundo autoridades.

Os trabalhadores participavam da colheita de uva para a produção de três grandes vinícolas gaúchas --Aurora, Garibaldi e Salton. Por meio de notas, as empresas se desculparam pelo ocorrido e prometeram adequar sua conduta na contratação de funcionários terceirizados.

O universo dos destilados também vive uma expansão. Arnaldo Ribeiro, 51, instrutor e dono da Cana Brasil, que fabrica as bebidas de cerca de 80 pequenas marcas em Itaverava, no interior de Minas Gerais, enxerga hoje um crescimento sustentado do gim após uma aceleração iniciada há três anos.

A vodca artesanal, que perdeu espaço com o movimento, está retornando com opções com sabor, diz. E o rum também tem ganhado terreno, especialmente entre quem não bebe cachaça. Já o uísque brasileiro de microdestilaria ainda engatinha porque pede alto investimento, especialmente pela necessidade de envelhecimento em barris de carvalho.

A Cana Brasil funciona também como escola que forma especialistas em diferentes bebidas. A cachaça segue como favorita, e as fabricantes artesanais têm aumentado sua participação em relação às industriais, apesar da demanda estável.

"Está crescendo o segmento de cachaça envelhecida com madeiras brasileiras e de cadeia sustentável, onde o produtor planta as árvores e faz blends exclusivos. Muitos alunos nossos estão partindo para isso sem esperar a iniciativa do governo", conta Ribeiro.

Apesar dessas movimentações, os setores veem com ceticismo o potencial de longo prazo das vendas diretas ao consumidor.

"O que serviu durante a pandemia já não serve agora, foi meio ilusória essa compra toda do ecommerce porque as pessoas estavam em casa. Agora buscamos canais tradicionais e mesclamos com o digital", diz Zanini.

Renato Bittencourt, 44, fundador e supervisor da produção da Cachaça Antonieta, de Florianópolis, um dos rótulos produzidos pela Cana Brasil, teve uma experiência similar.

O volume de vendas no virtual após premiação máxima no Mundial de Bruxelas em 2019, uma das mais importantes competições de bebidas do mundo, coincidiu com o início da pandemia, mas diminuiu desde então. "Muita gente nunca tinha comprado online. [O faturamento nesse canal] diminuiu muito de 2021 para cá, mas ainda é maior que antes."

Outra questão sensível para o setor é a tributação. "É uma briga que temos. A taxação corresponde a quase 53% do valor do vinho em impostos diretos e indiretos. Isso afeta bastante a competitividade em relação aos importados", afirma Zanini.

Segundo dados do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho), a taxa varia entre 15% e 25% entre os países do Mercosul e chega a cerca de 15% na Europa. Não por acaso, são regiões de nações produtoras e que incentivam ou subsidiam o setor. "Se baixassem uns 20%, seria ideal para gente", acrescenta.

Ribeiro, da Cana Brasil, ainda comemora a inclusão de microdestilarias no Simples Nacional há cinco anos, um movimento que também abrangeu as micro e pequenas vinícolas e as microcervejarias. "Hoje nosso maior gargalo é a substituição tributária do ICMS, que varia muito de estado a estado. Tem lugares em que fica impraticável vender."

A legislação é um dos entraves apontados por Marina Santos, 41, vinhateira e criadora da Vinha Unna, vinícola de Pinto Bandeira (RS), focada na produção de vinhos orgânicos e biodinâmicos, no uso de agroflorestas associadas ao cultivo vinífero e na sustentabilidade de toda a cadeia produtiva.

Ela não consegue enquadrar sua produção, de 6.000 garrafas por ano, na Lei do Vinho Artesanal, que dá benefícios tributários e incentivo estatal.

"Não existe igualdade nem equidade. Eu, com 6.000 garrafas, preciso respeitar as mesmas leis que as empresas que produzem 6 milhões. Hoje temos nossos vinhos em restaurantes como DOM e Picchi, em São Paulo, e no Lasai e no Grupo Irajá, no Rio de Janeiro. Mas é mais por amor que por lucro."

Outro entrave, segundo os produtores, é o custo de transporte, que ficou mais alto.

Algumas iniciativas buscam enfrentar esse problema na ponta. A Tão Longe Tão Perto, projeto da sommelière Gabriela Monteleone e do empresário Ariel Kogan, leva rótulos de vinhateiros artesanais a restaurantes do Sudeste e do Nordeste.

Há uma atenção especial ao envase, entregando a bebida em barris de inox equivalentes a 25 garrafas. A solução, mais leve que o equivalente em vidro, reduz a pegada de carbono, elimina um insumo caro e diminui o desperdício no serviço na taça.

"O que eu faço é uma curadoria. Muitas vezes esse produtor não consegue escoar porque não tem penetração no mercado. Através dos vinhos do projeto, os consumidores conhecem outros rótulos do produtor", explica Gabriela.

Jaqueline Barsi, 36, sommelière e fundadora da Artse Vinhos, percebeu, após uma temporada visitando vinícolas gaúchas, carências na hora de comunicar e de escoar a produção. Ex-funcionária da Ambev, ela usou os dez anos de experiência no marketing da gigante de bebidas para preencher as lacunas.

O vidro foi trocado pela lata como caminho para explorar um novo nicho para os pequenos produtores, atrair novos clientes, especialmente mulheres e jovens, e tornar a experiência mais despretensiosa, em linha com os wine bars e com a ideia de dose única para vinhos.

A logística segue sendo uma questão, agora assumida por ela. "É caríssimo. Cerca de 14% do que eu emito com nota fiscal é transporte. Eu ofereço frete grátis para compras de mais de cem latas. Banco para promover mais experimentação", conta.

Ribeiro, da Cana Brasil, considera que o ideal é ter alguém focado na produção e outra pessoa totalmente dedicada à venda, como tem funcionado na sua empresa. Na sua visão, a distribuição também se beneficia dessa terceirização de competências.


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