Possível mudança nos EUA em relação ao aborto contrasta com onda na América Latina
Movimentos feministas tiveram conquistas recentes em grandes economias como México, Colômbia e Argentina
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Enquanto os Estados Unidos convivem com o risco da reversão pela Suprema Corte da garantia ao aborto, ao sul desse mesmo país os ventos em geral têm soprado mais a favor de avanços nos direitos reprodutivos das mulheres.
Hoje, 37% da população de América Latina e Caribe está em nações em que se conquistou o direito legal da interrupção voluntária da gravidez ou em que a prática foi descriminalizada —há cinco anos, essa proporção era de 3%. Entre esses dois pontos há diferenças importantes: na Colômbia, por exemplo, o aborto só deixou de ser crime, enquanto na Argentina há regulamentações para fazer com que o sistema público de saúde seja obrigado a atender, de forma gratuita, mulheres que buscam o recurso.
Os mais recentes avanços se deram justamente nesses dois países e no México —as três maiores economias da região depois do Brasil, portanto de forte caráter simbólico.
Em Bogotá, a decisão ocorreu em fevereiro, com a Corte Constitucional eliminando da lista de delitos o aborto até a 24ª semana de gestação; antes disso, o procedimento só era permitido em casos de estupro ou risco de morte da mulher.
O tribunal julgou demanda apresentada pelo Causa Justa, associação de mais de 120 grupos de defesa dos direitos da mulher num país que, a cada ano, julgava cerca de 400 mulheres por esse crime, com penas de 16 a 54 meses de prisão. A Colômbia ainda não tem, porém, regulamentação sobre como o atendimento deve se dar na rede pública —isso deve ser discutido em breve pelo Congresso.
No México, a Corte Suprema determinou, no ano passado, que é inconstitucional penalizar o aborto e eliminou a lei federal que permitia que médicos alegassem objeção de consciência para não fazer o procedimento. A regulamentação, porém, cabe a cada estado: a decisão do Judiciário apenas permite que as assembleias regionais elaborem suas leis.
Antes da decisão, a Cidade do México (Distrito Federal) e Oaxaca já haviam legalizado o aborto até a 14ª semana de gestação. Depois dela, somaram-se Veracruz, Hidalgo, Baixa Califórnia, Colima e Sinaloa.
Na Argentina, a campanha pela legalização foi longa, tendo passado por duas tentativas de aprovação no Congresso. A primeira, ainda na gestão do ex-presidente Mauricio Macri, acabou frustrada por poucos votos no Senado.
O atual mandatário, Alberto Fernández, incluiu a bandeira em sua campanha eleitoral, em 2019, apoiado pelos movimentos feministas. Assim, com um empurrão do Executivo, o assunto voltou ao Congresso, e em uma maratona de mais de 12 horas, acompanhada por multidões a favor do "sim" e do "não" do lado de fora, a lei acabou aprovada. Ela permite o aborto até a 14ª semana apenas pela vontade da mulher, com a garantia de atenção no sistema público de saúde.
Nos três casos, houve participação grande e barulhenta de movimentos sociais feministas, puxados por jovens. As argentinas introduziram na campanha um lenço, inspiradas nas Mães da Praça de Maio, que usam o item para simbolizar a busca por seus filhos desaparecidos na ditadura (1976-1983). A peça verde foi adotada pelas pró-mudança na lei, enquanto ativistas conservadores depois optaram pelos lenços azuis, com o slogan "salvemos as duas vidas".
A marca virou símbolo da luta também em outros lugares. No Chile, porém, ele não é verde, mas violeta. No país, que acaba de eleger o esquerdista Gabriel Boric, a prática era totalmente proibida até 2017, quando o Congresso aprovou o direito a ela em casos de estupro, risco de morte da mãe e má-formação do feto.
A Convenção Constituinte, eleita para elaborar uma nova Carta, porém, já incluiu o direito ao aborto como um dos artigos do texto final. Este, porém, ainda tem um caminho a percorrer: depois de finalizado até a primeira semana de julho, será apresentado para aprovação à população num plebiscito (ainda sem data definida, mas que deve ocorrer no segundo semestre). A consulta tem voto obrigatório e é vinculante.
Vanguardista na região, o Uruguai instituiu o direito ao aborto em 2012, na gestão do esquerdista José "Pepe" Mujica, da Frente Ampla —também responsável por outros avanços na legislação de direitos civis, como o que regulamentou a produção e a distribuição de maconha.
Em países como Paraguai, Brasil, Peru e Venezuela, o procedimento segue limitado às causas de estupro, risco à vida da mãe e má-formação do feto, e muitas vezes questões burocráticas e obstáculos jurídicos acabam atrasando tanto o procedimento que o impedem mesmo nesses casos. Em Belize e na Bolívia, aceita-se também como requisito para um aborto a demonstração de impossibilidade financeira na criação do bebê.
No Equador, o processo está em andamento. O Congresso aprovou uma legislação que definia o direito ao aborto até um período da gestação para mulheres da cidade e outro para as do campo —citando a dificuldade de acesso a centros médicos—, mas o presidente, o conservador Guillermo Lasso, vetou o texto. Ele se diz pessoalmente contra a prática, por ser católico, mas se comprometeu a respeitar a decisão legislativa caso o texto seja reformado.
Em outros lugares, os ventos seguem a direção dos EUA, a despeito da pressão de feministas e organismos de direitos humanos. Haiti, Honduras, República Dominicana e Suriname vetam totalmente a prática, com a companhia de Nicarágua e El Salvador (que são, junto com a Polônia, os únicos casos desde 1994 de endurecimento e reversão do direito).
O país de Nayib Bukele é conhecido por ter as leis mais draconianas, com mulheres sujeitas a punição até por abortos espontâneos e penas que podem chegar a 40 anos —médicos que não denunciem tentativas do procedimento também são alvos de processo e condenações.
A esse grupo obscurantista acaba de se unir a Guatemala, que aprovou a Lei de Proteção à Vida e à Família, aumentando as penas para a interrupção voluntária da gravidez e eliminando qualquer possibilidade de ela ser aceita nas três circunstâncias permitidas em outros países.
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