Extinção de políticas de ações afirmativas é atitude inconstitucional
Defesa das cotas sociais no lugar das raciais não explicita realidade vivenciada
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Nossa cultura é rica e bonita porque tem fundamentos em todos os povos do mundo. A diversidade é a realidade na nossa formação étnica, mas também o ambiente é diverso. Diversidade é questão nossa.
Todavia, o IBGE, em 2003, informava que 72,9% das vagas no ensino superior eram ocupadas por estudantes brancos. Pretos e pardos, apenas 0,4%. O Brasil tem 53% de pessoas pretas e pardas (negras).
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inet) informa que o percentual de estudantes pretos e pardos chegou a 41%, com um aumento de 52% em 2020. Isso como resultado de cotas étnicas efetivas no acesso às universidades públicas. Importante lembrar a grande conquista da Constituição de 1988, que dependeu de uma ação unificada dos movimentos sociais contra a ditadura, com a participação de lideranças sociais, intelectuais e, sobretudo, órgãos de imprensa. A imprensa livre foi fundamental para a conquista. Logo, posicionamentos contrários, ou seja, por cotas sociais e não raciais, como observados em editoriais desta Folha, não explicitam a realidade vivenciada nem os compromissos constitucionais assumidos pela República Federativa do Brasil.
O ponto de partida para compreender as cotas raciais no Brasil é o reconhecimento da desigualdade entre negros e brancos. Se não houver esse reconhecimento, qualquer tentativa de diálogo para explicar a importância das cotas falha. Faça então o exercício de olhar para os lados, observar os espaços para reconhecer essa desigualdade. Destacam-se dados de políticas públicas municipais. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de São Paulo atendeu de janeiro de 2017 a março de 2024 11,9 milhões de pessoas, das quais 7,8 milhões se autodeclararam negras (66%). Dentre essas, 77% foram para políticas públicas de trabalho; 4% para empreendedorismo e 19% para qualificação. Chama-nos a atenção o programa Mães Guardiãs, em parceria com a Secretaria Municipal da Educação, no qual mulheres atuam na busca ativa de estudantes da educação básica e se motivam, também, a complementar seus estudos.
Cotas raciais são ações afirmativas para reparar as barreiras históricas enfrentadas por negros e suas trajetórias familiares. O Brasil assinou e ratificou a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. O decreto 10.932, de 2022, promulgou-a, utilizando-se dos mesmos procedimentos para aprovação de emendas à Constituição. Essa convenção e suas normas integram hoje a Lei Maior. E o artigo 5º da convenção faz referência ao compromisso na adoção de políticas especiais e ações afirmativas necessárias para assegurar o gozo ou exercício de direitos e liberdades fundamentais de pessoas e grupos sujeitos ao racismo. Objetiva e clara, integra a nossa Carta. Legislações específicas podem ser temporárias, mas a mera e simples extinção de políticas de ações afirmativas é atitude inconstitucional.
A implementação de políticas de cotas nas universidades públicas representa uma abertura de portas para aqueles historicamente excluídos do acesso à educação. Essas cotas funcionam como um convite para que todos participem do direito ao conhecimento, combatendo disparidades socioeconômicas.
Atentem para as médias gerais na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, agora enegrecida (turma 195 - 2018 a 2022, médias com reprovação: alunos cotistas, 7,7, e não cotistas, 8; médias sem reprovação: alunos cotistas, 8, e não cotistas, 8,2).
Momento também de lembrar ações dignas operadas pelo movimento negro. Nos quase quatro séculos de escravização, organizou revoltas e quilombos. Extinta a escravização, prossegue na luta contra a discriminação racial e inclusão dos negros no mercado de trabalho. Para tanto, formação profissional e educação foram fundamentais, mas muitas são as adversidades enfrentadas.
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