Café na Prensa

Tudo sobre a bebida, do grão à xícara

Café na Prensa - David Lucena
David Lucena
Descrição de chapéu Agrofolha alimentação

Atenção ao cultivo em área privilegiada faz agricultor triplicar preço no ES

Valorização do café na região faz com que jovens optem por continuar no campo

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Montanhas do Espírito Santo

O Brasil possui mais de 30 regiões produtoras de café, cada uma com suas características e peculiaridades. Umas geram bebidas mais doces, outras com notas mais amendoadas, outras mais frutadas e exóticas etc.

Se você perguntar a um degustador profissional quais delas produzem os cafés mais complexos, é quase certo que as montanhas do Espírito Santo estejam no rol. Como mostrou o primeiro capítulo da série de reportagens sobre os cafés da região, as condições geoclimáticas são as principais razões para isso.

Cafés das montanhas do Espírito Santo

Esta é a segunda reportagem da série sobre uma das regiões cafeeiras mais valorizadas do país

Mas nem sempre foi assim. Até os anos 1990, a região cultivava café commodity –ou seja, grãos usados para produzir bebidas tradicionais, e não gourmet. Até que, em 1996, o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) contratou um consultor para analisar o potencial do café da região e ministrar cursos para os agricultores.

A missão chamou a atenção do então recém-formado técnico em agronomia Evair de Melo, hoje deputado federal pelo PP. Ao fim do curso oferecido pelo Senar, Melo decidiu dar continuidade ao trabalho e começou a percorrer a região, a fim de educar e auxiliar os agricultores.

Como resultado, cada vez mais os agricultores começaram a plantar café especial, que envolve mais atenção aos detalhes, mas produz um grão com maior qualidade e, consequentemente, preço mais elevado.

Café secando em terreiros
Café se valoriza nas montanhas capixabas após produtores dedicarem maior atenção ao cultivo e pós-colheita - David Lucena/Folhapress

Melo começou então a divulgar os achados e a ajudar a inscrever cafés da região em concursos, como os da BSCA –associação que representa os produtores de cafés especiais no Brasil.

Na virada do século, o reconhecimento começou a aparecer, ainda que lentamente. Os grãos cultivados nas montanhas capixabas começaram a aparecer entre os finalistas dos principais concursos do Brasil.

Em 2003, a barista Isabela Raposeiras, que na época começava sua jornada no meio dos cafés especiais, participou de uma feira em Chicago na qual degustou bebidas de alto nível. Logo ao retornar, provou, pela primeira vez, os cafés das montanhas do Espírito Santo.

"Eu me lembro de ficar muito chocada naquela mesa de degustação. Realmente era um café que tinha notas de café africano. Eu lembro de ter pensado naquele dia: 'isso aqui vai ser a prova de que nós temos café do mesmo nível que esses locais do mundo'", diz Raposeiras.

Seis anos depois, quando inaugurou sua cafeteria em São Paulo, o Coffee Lab, Raposeiras não pensou duas vezes: comprou cafés cultivados nas montanhas capixabas.

Desde então, ela se tornou uma divulgadora dos cafés da região. Em um evento da SCA –entidade que representa o setor norte-americano de cafés especiais–, Raposeiras enviou grãos das montanhas capixabas para uma degustação às cegas.

Os provadores adoraram o café e pensavam que estavam bebendo um café do Quênia –país famoso por produzir grãos com perfis muito frutados e complexos. "Quando disseram que era um café do Brasil, ninguém acreditou. E aí começou o burburinho em torno dessa região", conta Raposeiras.

O reconhecimento trouxe vantagens econômicas para aqueles pequenos agricultores. Produtores que outrora vendiam suas sacas por R$ 350 –cada saca tem 60 kg de café verde– passaram a cobrar mais de R$ 1.000 em valores da época.

Os agricultores que antes ficavam sujeitos aos preços impostos pelos exportadores agora escolhem o quanto querem cobrar. Atualmente, vários produtores da região vendem seus bons lotes por valores que variam entre R$ 2.500 e R$ 3.000 –a saca do arábica tradicional custa hoje menos de R$ 900.

Mas isto não afugentou os compradores. Ao contrário, eles querem fidelidade e longos contratos, afirma Melo. "Atualmente os grandes cafés nem estão mais indo para competições porque as empresas se anteciparam e já fizeram contratos por várias safras".

VALORIZAÇÃO MANTÉM JOVENS NO CAMPO

Ao mesmo tempo em que emancipou o produtor, a valorização dos cafés da região trouxe uma perspectiva para as novas gerações, que antes só pensavam em migrar para a cidade. Agora, há jovens optando por permanecer no campo e trabalhar com cafés especiais.

É o caso dos quatro jovens de família de agricultores que decidiram se unir a fim de criar uma empresa para negociar os cafés produzidos não apenas em suas propriedades, mas em outros sítios da região.

Foi assim que nasceu a Farmers Coffee. Apesar de ter menos de quatro anos de existência, a trader criada pelos amigos Dério Brioschi Junior, 27, João Paulo Marcate, 27, Luiz Henrique Pimenta, 27, e Phelipe Brioschi, 24, já exporta café de mais de 300 agricultores locais para várias partes do mundo.

Outro que decidiu ficar nas montanhas capixabas para trabalhar com café foi Felipe Estevão, 24. Após cursar ciência e tecnologia de alimentos no Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo), em Venda Nova do Imigrante, ele decidiu se aprofundar no assunto e hoje é Q-Grader (avaliador profissional de café) e responsável pela qualidade dos grãos da fazenda Camocim, uma das maiores da região, que produz o famoso café do jacu.

Agora, Evair de Melo, que há quase 30 anos ajudou a transformar a cafeicultura da região, vê seu filho, aos 17 anos, se interessar por café e aperfeiçoar seus conhecimentos por meio de cursos e eventos.

Mudam os personagens, e a história do café das montanhas capixabas continua.

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