Café na Prensa

Tudo sobre a bebida, do grão à xícara

Café na Prensa - David Lucena
David Lucena
Descrição de chapéu Agrofolha alimentação

Café mais exótico do Brasil é catado de fezes de ave e custa R$ 1.180 o quilo

Processo gera bebida com sabor diferente, mas não necessariamente superior, diz pesquisa

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Domingos Martins (ES)

O jacu é uma ave de grande porte, com até 85 cm de comprimento, penas escuras, pescoço esguio e um papo vermelho. Vive nas Américas Central e do Sul e alimenta-se sobretudo de frutos. Nas matas das montanhas do Espírito Santo, este animal encontrou um alimento ideal: os frutos doces e maduros dos cafezais.

Após ingeri-los aos montes, o jacu digere e defeca os grãos inteiros, tal qual uma máquina despolpadora.

Ave jacu em meio ao cafezal
Ave jacu é flagrada em meio ao cafezal na fazenda Camocim, no Espírito Santo - David Lucena/Folhapress

Os excrementos são então coletados manualmente. Os grãos de café são separados de outros elementos que eventualmente estejam ali misturados –como sementes de pitanga e coquinho– antes de secar.

Da estufa de secagem, eles vão para uma câmara fria, onde descansam por alguns dias, e depois passam por um processamento para selecioná-los por tamanho.

Em seguida, assim mesmo, esses grãos de café defecados pelo jacu são torrados, moídos e coados.

Não é permitido nem lavá-los durante o processo, pois isso poderia eliminar alguns dos sabores mais exóticos. A única coisa que separa as fezes daquilo que virará a bebida é o pergaminho –uma fina película que envolve o grão.

E assim é feito o café mais exótico do Brasil, o Jacu Bird Coffee, que é vendido em embalagens de 100 g por R$ 118. O produto é exportado para dezenas de países, como França, Estados Unidos, Austrália e Arábia Saudita.

Mas o que hoje é um caso comercialmente bem sucedido, envolto em uma narrativa excêntrica e capaz de atrair endinheirados de toda sorte, começou como um problema na fazenda Camocim, situada no município de Domingos Martins, a cerca de 50 km de Vitória.

A fazenda tem um sistema de cultivo agroflorestal. Ou seja, além dos cafeeiros, há muita mata e árvores de diferentes espécies ao redor –ambiente ideal para o jacu.

Então, quando começaram a cultivar café no local, nos anos 1990, os produtores se depararam com aquela ave problemática. É que, além de comer frutos bem maduros, que produziriam bons cafés, o jacu também destruía algumas árvores, com seu tamanho avantajado e seu jeito desengonçado. Por fim, ainda deixava um rastro de excrementos pelo cafezal.

Na ocasião, o proprietário da fazenda, Henrique Sloper, ficou sabendo de um café que era feito na Indonésia de grãos defecados por um animal.

É o chamado Kopi Luwak, um café caro e exótico produzido a partir dos grãos de café ingeridos e posteriormente defecados pela civeta, um mamífero de pequeno porte que habita sobretudo as florestas do sul e sudeste da Ásia.

Decidiram, pois, transformar o problema em solução. Por que não coletar os grãos das fezes do jacu e vender como iguaria exótica e cara, tal qual o Kopi Luwak?

Deu certo, e hoje o Jacu Bird Coffee é exportado para vários países e vendido em pacotes de 1 kg por R$ 1.180. Há ainda a possibilidade de comprar pacotinhos menores, de 100 g, ou até uma caixa com 10 cápsulas por R$ 118.

Para além da excentricidade, os produtores do café afirmam que os grãos produzem uma bebida de qualidade superior.

A lógica é a seguinte: o jacu escolhe apenas os frutos maduros para comer. Assim, faz uma espécie de coleta seletiva, o que resulta em bebidas de alta qualidade. Além disso, o processo digestivo feito pela ave confere sabores novos à bebida.

De fato, a digestão feita pelo jacu altera os compostos aromáticos do café, o que revela sabores que não estavam presentes originalmente no grão, mas isso não significa que ele será necessariamente melhor. É o que concluiu um estudo desenvolvido por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Os estudiosos compararam o café do jacu com outro lote semelhante, cultivado na mesma fazenda, mas colhido de forma tradicional, sem ser ingerido pela ave.

O professor Daniel Perrone, um dos responsáveis pela pesquisa, explica que os cafés apresentaram sabores diferentes, mas que, ao submeter as amostras a avaliadores certificados, as bebidas apresentaram notas equivalentes.

"As notas eram tão boas quanto, mas não quer dizer que as mesmas notas aromáticas foram identificadas nos dois cafés. É como se você estivesse avaliando um suco de laranja e um suco de maçã. Você pode dar nota 10 para os dois sucos, porque você gosta tanto de laranja quanto de maçã, mas não pode dizer que os sucos são iguais", explica Perrone.

"O que acontece é que a digestão pela ave altera a composição que vai gerar os compostos de aroma quando você torra o café", diz o pesquisador, que ressalta que as amostras foram obtidas em colaboração com a própria fazenda Camocim e que o estudo foi financiado por órgãos de amparo à pesquisa como Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).

Então, afinal, vale a pena desembolsar valores tão elevados? E o que está por trás do preço? Para responder essas perguntas, o Café na Prensa experimentou o tal café e conversou com pesquisadores e degustadores, mas esse é assunto para o próximo capítulo da série de reportagens sobre os cafés das montanhas capixabas.

Acompanhe o Café na Prensa também pelo Instagram @davidmclucena e pelo Twitter @davidlucena

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