Em 2017, a greve dos professores paralisava centenas de salas de aula em São Paulo e em outras cidades. A escritora e professora Laura Erber acompanhava de perto as reivindicações quando viu cartazes que apoiavam os protestos, em sua maioria contrários às reformas trabalhista, da Previdência e do ensino médio, que eram encabeçadas pelo governo de Michel Temer.
Foi assim que nasceu o contato entre ela e o artista visual Frederico Ravioli, autor das ilustrações daqueles cartazes. E foi assim também que agora, seis anos depois, surgiu o livro "Eu Protesto!", assinado por ambos e lançado pela Glac Edições.
A obra faz mais do que conversar com crianças sobre manifestações, ocupações, atos, passeatas, piquetes, buzinaços e infinitas outras formas de protesto. Ela traz à superfície algo mais profundo da personalidade humana —a nossa constante indignação e o impulso de querer transformar as coisas.
Não à toa, o texto começa com um berreiro de criança que toma a página quase inteira. "O choro é a nossa primeira forma de protesto", escreve Erber. Se reclamamos porque queremos mamar ou porque não desejamos usar fraldas, logo as reivindicações evoluem para demandas de mais tempo de recreio, melhorias nas escolas, mais igualdade e menos injustiças.
Tudo isso é construído de maneira esperta, evitando clichês que sempre surgem nos livros infantis e ilustrados. Não há, por exemplo, uma personagem específica que guie a narrativa para fazer com que o leitor se identifique mais facilmente. É como se as páginas fossem um manifesto. A comunicação é direta, o bate-papo abusa de frases curtas e transparentes com quem está lendo. É um livro-cartaz, mais próximo da não ficção.
As ilustrações de Ravioli ajudam a calçar esse caminho, com desenhos que apostam sempre no coletivo e usam silhuetas. Não importa o que elas estão fazendo isoladamente em cada cena, nem quem são, muito menos suas individualidades. O fundamental é o grupo. Criadas apenas com branco, preto e vermelho, as imagens gritam que um cartaz não faz protesto —mas muitos cartazes podem provocar transformações.
A questão é que a obra perde a oportunidade de criar uma narrativa visual. Texto e ilustrações andam do começo ao fim de mãos dadas, deixando o desenho quase sempre a serviço da literatura. Quando é dito que protestamos contra o uso de roupas na infância, as personagens jogam vestidos, sapatos e cuecas para o alto. Se há atos nas ruas, as imagens mostram otrânsito bloqueado por uma manifestação. Quando gritos visam salvar as florestas, surge uma árvore frondosa. E assim por diante, sem muita autonomia visual.
Se protestos pressupõem doses de rebeldia e indisciplina, o texto e as ilustrações optam pelo caminho oposto —não há entre eles ruídos, contradições, atritos, faíscas e subversões. Ao não produzirem rebelião, palavras e imagens evitam a chance de criar novas leituras e dialogam de maneira subordinada sobre as nossas insubordinações.
Além disso, o título também ignora um problema político fundamental atualmente. Ao longo da leitura, aparecem demandas extremamente importantes. Entre elas, a melhoria da educação, a precariedade do transporte público, o descaso com o ambiente, a desigualdade de renda, a falta de moradia, o racismo e a demarcação de terras indígenas. Mas existe algo que não pode ser ignorado há uma década, desde as manifestações de Junho de 2013.
O que fazer quando os protestos são antidemocráticos e apoiam um golpe? E se pedem intervenção militar? E se desejam mudar tudo o que está aí, gerando o que vimos em Brasília em 8 de janeiro? "Eu Protesto!" desconsidera essas cascas de banana.
Só que o mundo não é feito apenas de manifestações por causas justas. A realidade é extremamente mais complexa. E, sim, as crianças sabem muito bem disso.
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