Era Outra Vez

Literatura infantojuvenil e outras histórias

Era Outra Vez - Bruno Molinero
Bruno Molinero
Descrição de chapéu Livros

Quem foi Edith Nesbit, a socialista inglesa que inspirou 'Harry Potter'

Considerada pioneira da literatura fantástica, escritora tem 'A Fênix e o Tapete' publicado no Brasil

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Muito antes de uma fênix habitar os aposentos do bruxo Dumbledore em "Harry Potter" ou de o guarda-roupa de "As Crônicas de Nárnia" ser um portal encantado, numa época em que livros infantojuvenis não misturavam magia com o mundo real e que o rótulo "literatura fantástica" ainda não tinha tomado a cultura pop, lá estava a inglesa Edith Nesbit.

O nome dela não costuma ser muito conhecido no Brasil, mas seus títulos são clássicos para crianças e jovens há mais de 120 anos. "Eu me identifico mais com Edith Nesbit do que com qualquer outro escritor", já afirmou J. K. Rowling, criadora da saga "Harry Potter". Nascida em 1858, a escritora ainda foi elogiada por diversos outros nomes, como C. S. Lewis, de "As Crônicas de Nárnia", e H. G. Wells, de "A Guerra dos Mundos".

Retrato da escritora inglesa Edith Nesbit
Retrato da escritora inglesa Edith Nesbit, precursora da literatura fantástica - Wordsworth Editions/Divulgação

Agora, um de seus clássicos recebe tradução no Brasil. "A Fênix e o Tapete", lançado originalmente em 1904, ganha edição da editora 34, que tem no catálogo outra aventura de Nesbit, "Cinco Crianças e um Segredo".

A autora já era uma poeta conhecida quando decidiu apostar nos livros para crianças, sobretudo a partir do fim do século 19. E logo foi um sucesso. Hoje a fórmula literária que consagrou as suas obras pode até parecer batida, velha ou clichê, mas foi uma revolução na época. Não por acaso ela é considerada uma das pioneiras da literatura fantástica.

Além dos dois já citados, títulos como "O Livro dos Dragões", "O Castelo Encantado" e "Os Meninos e o Trem de Ferro" costuram mitologias, folclores e histórias clássicas de diferentes partes do mundo. Mas não fazem isso numa realidade fantasiosa, paralela e descolada. A magia não está em outro universo, como na saga "O Senhor dos Anéis", por exemplo. É o contrário. Suas personagens são crianças do dia a dia, vivem em Londres e poderiam ser qualquer um dos leitores. O fantástico convive com a realidade.

Isso pode ser visto em "A Fênix e o Tapete". Continuação de "Cinco Crianças e um Segredo", o livro narra como cinco irmãos descobrem um ovo num tapete. E aqui as portas se abrem. Esse ovo esconde uma fênix, e a tapeçaria também é mágica e pode levar as personagens a infinitos lugares, como cidades místicas indianas —à época, ainda sob o império colonial inglês, vale ressaltar.

A história mescla uma ave fantástica da mitologia europeia com um objeto mágico de "As Mil e Uma Noites" e da tradição árabe e oriental. Além disso, há ainda referências a Rudyard Kipling, autor dos livros de Mogli e seu contemporâneo. Outras obras da escritora seguem o mesmo caminho e apresentam dragões, fadas mal-humoradas, viagens no tempo, animais e criaturas com nomes estranhos e inseridos na rotina inglesa. Como estão em domínio público, algumas dessas aventuras foram lançadas no Brasil por outras editoras, como Salamandra, Wish, Minotauro e Autêntica.

Ilustração de "A Fênix e o Tapete" (ed. 34), de Edith Nesbit
Ilustração de H. R. Millar para "A Fênix e o Tapete", da editora 34 - H. R. Millar/Divulgação

Mas a inovação não se limita à convivência entre fantasia e realidade. Numa atitude quase inédita para a época, a autora passou a escrever do ponto de vista da criança, com a lógica da infância, mas sem ser condescendente. Ela dizia ter certo desprezo por meninos e meninas muito bonzinhos e recheava suas histórias com maldades pontuais, travessuras, melancolias, pequenas trapaças, dramas familiares, inconsistências e contradições. Sua literatura enxergava a criança como ela é, ou seja, com a complexidade de um ser humano.

De alguma maneira, ela repetia nos livros um pouco da sua própria vida. Moradora de Londres, costumava chocar os vizinhos ao deixar seus filhos correrem descalços e livres pelo gramado do quintal —um escândalo, é claro, na Inglaterra vitoriana. Sua residência, aliás, estava sempre cheia, principalmente de colegas da Fabian Society, grupo de ideias socialistas que ela ajudou a fundar e que se tornaria embrião do Partido Trabalhista. A militância pelas ideias de esquerda guiou boa parte da vida política de Nesbit, com ecos aqui e ali em alguns de seus escritos, inclusive os infantojuvenis.

Mas esse lado solar, combativo e festivo convivia com sombras. Entre elas, a relação com um marido mulherengo, que a traía com amantes. Além disso, a morte de um filho fez com que mergulhasse de vez nos livros para crianças, que passaram a sustentar a família. Mulher de seu tempo, porém, ela também tinha ideias datadas e problemáticas. Era contra o voto feminino, por exemplo, e usou em determinadas produções linguagem considerada atualmente racista e colonialista.

Assim como suas personagens, a figura da escritora também era complexa e contraditória. Nela e em sua obra, nada é exatamente o que parece. É como diz o início de um dos capítulos de "A Fênix e o Tapete": "Quando você souber que as quatro crianças se viram na grande estação de Waterloo, no centro de Londres, inteiramente abandonadas à própria sorte, sem ninguém ter ido buscá-las, talvez você venha a achar que os pais delas não eram nem bons nem cuidadosos. Mas se você pensar assim, estará errado".

A Fênix e o Tapete

  • Preço R$ 56 (336 págs.)
  • Autoria Edith Nesbit
  • Editora 34
  • Tradutor Marcos Maffei
  • Ilustrador H. R. Millar

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