Antes de se tornar escritora, Paula Fábrio ganhou de presente uma consulta esotérica e visitou uma astróloga para fazer o seu mapa astral.
"Achei tudo muito picareta na época, porque ela falou coisas que não tinham nada a ver", lembra a autora. "Isso faz uns 20 anos. Mas hoje vejo que ela acertou tudo. Pena que não tenho mais o contato daquela mulher", emenda com uma risada.
Entre as previsões feitas, havia uma especial —a de que Fábrio trabalharia com crianças e escreveria histórias para a infância. Seja por acerto, seja mais provavelmente pelas mágicas do viés de confirmação, a escritora lança nesta semana o seu segundo livro infantojuvenil, "Tão Importante como um Pedaço da Língua", publicado pela FTD.
A história, ilustrada pela artista gráfica Laura Athayde, investiga como as amizades chegam ao fim e apresenta três garotas inseparáveis, unidas por serem pré-adolescentes fora do padrão. Uma tem cabelos revoltos e ama astronomia. Outra se torna a mais gorda da turma. A terceira, que é a protagonista, se acha baixinha e é dona do gato Fernando. O felino, que não tem um pedaço da língua, é quem ajuda a batizar a obra.
As três faziam absolutamente tudo juntas, mas as coisas mudam. "Nenhum tempo, quando acaba, avisa que vai acabar", afirma o texto. Nayara, a personagem principal, percebe então que as amigas se afastam sem motivo. De uma hora para outra, sem entender as razões, ela se vê sozinha, só com a companhia do gato sem língua, que ajuda a transformar em metáfora a falta de comunicação, a ausência de respostas, o silêncio, a mentira.
"Passei por algo parecido na minha infância e vivia isso no momento em que escrevia o livro, já adulta. A perda das amizades acompanha a nossa vida", conta Fábrio. No livro, assim como ocorre muitas vezes no mundo real, a personagem não descobre com certeza os porquês do afastamento. Mas há indicações.
Não conto mais para não dar spoiler, mas as suspeitas de Nayara esbarram na condição social de sua família e em problemas enfrentados por seu pai, que está longe. "Quero que meus livros gerem ruído na classe média alta. Não só os infantojuvenis, mas tenho pensado nisso em relação à minha literatura para adultos também. Quero fazer essa troca entre a periferia e o centro."
Para adultos, a escritora venceu o prêmio São Paulo de Literatura com "Desnorteio", em 2013, e publicou também títulos como "Um Dia Toparei Comigo" e "Estudo sobre o Fim". Já na literatura infantojuvenil, fez sua estreia com "No Corredor dos Cobogós", lançado em 2019 pela editora SM.
Em comum entre os dois livros para a infância, está o protagonismo feminino. É verdade que "No Corredor dos Cobogós" se equilibra entre dois personagens, um menino e uma menina. "Sem o garoto até poderia haver história, mas sem ela não existiria o livro", afirma Fábrio. Já no lançamento, praticamente tudo gira ao redor do universo feminino.
"É uma voz que domino mais, mas é também um projeto. Quero criar histórias com protagonistas femininas porque, quando eu era criança, li centenas de livros com heróis masculinos."
"Nos livros para adultos, isso não é uma questão para mim", diz a escritora. "Pode ser romântico ou uma inocência minha, mas é no livro infantil que tento mudar o mundo. Quero que meninas das novas gerações se deparem na literatura com um olhar diferente. O adulto já está perdido, mas sinto que a gente ainda pode contribuir com o leitor em formação."
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