Saúde Mental

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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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Janeiro Branco: Faltam políticas públicas para saúde mental, diz psicólogo

Leonardo Abrahão, criador da campanha, fala sobre psicoeducação e autocuidado

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São Paulo

Não é possível falarmos em saúde mental apenas em dimensões individuais e particulares, defende o psicólogo Leonardo Abrahão. "Todo ser humano é, de forma irremediável e inescapável, um ser social, um ser psicossocial", diz.

Criador da campanha Janeiro Branco, que chega à sua 10ª edição neste ano e tem como objetivo chamar a atenção da população para a importância dos cuidados com a saúde emocional, Abrahão ressalta que as autoridades públicas não acompanham o debate sobre o tema.

"Falta uma cultura de saúde mental na humanidade. E no Brasil, além disso, faltam condições estruturais, sociais, políticas, econômicas e ideológicas para que a discussão avance além de ultrapassados paradigmas sobre saúde e doença", afirma.

À Folha, o psicólogo falou sobre a importância de estabelecer políticas públicas para a saúde mental e sobre a missão psicoeducativa do movimento idealizado por ele.

Depois de sairmos de um ano conturbado como foi 2022, com a população brasileira polarizada após as eleições e ainda com os reflexos da pandemia da Covid-19, como está a saúde mental do brasileiro neste momento?
A saúde mental do brasileiro já não estava bem. Afinal, antes da pandemia, já éramos a população mais ansiosa do mundo e a segunda com maiores taxas de depressão das Américas, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Agora, após os desafios da pandemia e a guerra eleitoral, encontramo-nos ainda mais machucados e desgastados em termos psicológicos. A atual explosão da procura por profissionais da saúde mental atesta isso.

Porém, a sabedoria popular diz: "ano novo, vida nova". A esperança volta a bater em nossas portas e podemos afirmar que 2023 é o ano do reequilíbrio das nossas vidas. E se a vida pede equilíbrio, tema do Janeiro Branco de 2023, precisamos aprender que existem estratégias para cuidarmos melhor da nossa saúde mental, tanto em termos individuais como em termos coletivos.

No site do Movimento Janeiro Branco apresentamos essas estratégias universais. Vale a pena conferir, pois são estratégias acessíveis, práticas e cotidianas. Um dos principais exemplos: resgate do valor das amizades e dos grupos de apoio em nossas vidas, o que significa ter alguém de confiança com quem podemos contar nas horas mais difíceis. Outro exemplo fundamental: a inadiável necessidade de políticas públicas transversais para as demandas psicossociais da população.

A saúde mental deve ser pensada também coletivamente, além dos cuidados que cada um de nós pode ter individualmente?
Com certeza. Não é possível falarmos em saúde mental apenas em suas dimensões individuais e particulares. Todo ser humano é, de forma irremediável e inescapável, um ser social, um ser psicossocial. Surgimos das relações sociais, vivemos, nos formamos e morremos ligados a questões da sociedade. Sempre foi assim e sempre será. A condição humana é, naturalmente, uma condição gestaltica: somos uma simbiose entre as dimensões públicas e privadas da vida.

Nossa saúde mental começa como uma folha em branco e termina como um livro repleto de registros pessoais e sociais que adquirimos ao longo das nossas existências. Por isso existe a luta do Movimento Janeiro Branco pela psicoeducação das pessoas, por uma cultura da saúde mental no mundo e por políticas públicas transversais em relação à dignidade das vidas humanas.

Você acha que a saúde mental já está inserida no debate da saúde pública? Quais são os desafios para que isso aconteça?
As pessoas debatem temas da saúde mental 24 horas por dia: sentimentos, emoções, pensamentos, relacionamentos, condições de vida, condições de existência, projetos de vida, realidades sociais, históricos existenciais e transtornos mentais. Mas as autoridades públicas, em geral, não acompanham esses movimentos, não os entendem, não os atendem e não os correspondem por meio da abundância de políticas públicas voltadas para as necessidades psicossociais dos indivíduos e da sociedade.

Falta uma cultura de saúde mental na humanidade. E no Brasil, além disso, faltam condições estruturais, sociais, políticas, econômicas e ideológicas para que a discussão avance além de ultrapassados paradigmas sobre saúde e doença.

Saúde mental não é apenas a ausência de transtornos mentais. Políticas públicas para a saúde mental devem ser multidimensionais e transversais, exatamente como são os seres humanos e as suas relações sociais. Aí está mais uma razão e mais uma legítima urgência do Movimento Janeiro Branco.

Esta é a 10ª edição do Janeiro Branco. Como você vê a evolução da campanha?
O Janeiro Branco nasceu como uma campanha ao estilo das campanhas Outubro Rosa e Novembro Azul, só que visando à conscientização da sociedade brasileira a respeito de temas da saúde mental. No entanto, em função da absurda carência das pessoas e das instituições sociais em relação a tudo o que diz respeito aos múltiplos universos da saúde mental, o Janeiro Branco transcendeu a sua proposta original e passou a ser um movimento por uma cultura da saúde mental na humanidade, sendo encarado, por um lado, como uma filosofia de vida centrada na busca pessoal pelo bem-estar emocional, e, por outro lado, como uma bandeira de luta por políticas públicas dedicadas às necessidades transversais da saúde mental.

Hoje, seguramente, por força da sua legitimidade, da sua pluralidade temática e da capilaridade das suas ações sociais, o Janeiro Branco é a maior iniciativa do mundo dedicada às urgentes e cada vez mais onipresentes causas da saúde mental dos indivíduos, das instituições sociais e dos povos. Há registros do Janeiro Branco em todo o território brasileiro e em países como Japão, Estados Unidos, França, Portugal, Espanha, Angola, Colômbia, Cabo Verde, Holanda e Bélgica.

Já falávamos sobre isso em 2022 ao afirmarmos que o mundo pede saúde mental. Agora, em 2023, convidamos o mundo a compreender que um dos caminhos para é o entendimento de que a vida pede equilíbrio.

Assim, o Janeiro Branco segue a sua missão psicoeducativa, civilizatória e humanitária, gerando aprendizados sobre saúde mental, consciência político-cultural sobre a importância do bem-estar emocional, sobre a pertinência da educação socioemocional, e esperança para todas as pessoas que entram em contato com os nossos propósitos.

Em 2018, nasceu o Instituto Janeiro Branco, totalmente inspirado no sucesso metodológico e instrumental do Instituto Ayrton Senna, visando à ampliação de nossas capacidades de ajudar a humanidade a entender e a colocar em prática que quem cuida da mente, cuida vida, lema original do Janeiro Branco.

Voluntários em vários países e parceiros oficiais no Brasil estão nos ajudando a crescer e a estruturar os nossos objetivos sociais, extrapolando, inclusive, os 31 dias do mês de janeiro, uma vez que o Janeiro Branco segue se consolidando como uma respeitada referência em saúde mental, ano após ano, de janeiro a janeiro.

Você acha que as pessoas já estão mais atentas para a questão da saúde mental? Ou ainda há muito estigma em relação a esse tema?
Uma pesquisa recente mostrou que, em relação à saúde, a saúde mental passou a ser a principal preocupação dos brasileiros, superando até mesmo uma das maiores preocupações humanas, que é o câncer. Dores, medos e sofrimentos psicossociais nos levaram a isso.

A pandemia agravou a situação ao ponto de a OMS afirmar que, em paralelo à Covid, vivemos uma pandemia de transtornos relacionados à saúde mental.

Mas, apesar dessas circunstâncias, os multidimensionais universos da saúde mental ainda são cercados de desconhecimentos, preconceitos e tabus. Conforme o Janeiro Branco convoca o mundo a refletir, urge a criação de uma cultura da saúde mental em todas as relações humanas, sob pena de vivenciarmos progressos materiais em concomitância à injustificável permanência de violências psicológicas em meio à humanidade, como a psicofobia, por exemplo.

Psicoeducação, educação socioemocional e a devida circulação de conhecimento sobre saúde mental podem mudar o mundo e tornar melhor as existências de todas as formas de vida. Um desses conhecimentos diz respeito ao entendimento de que saúde mental não significa apenas a ausência de transtornos mentais. Significa também autoconhecimento, autonomia, sentimentos de pertencimento, paz de espírito, propósitos e sentidos saudáveis de vida, equilíbrio perante às diferentes circunstâncias da vida, responsabilidade social, compromisso com a justiça social, respeito à diversidade humana, aos direitos dos outros e outras conquistas civilizatórias da humanidade.

Leonardo Abrahão é um homem branco, usa óculos, e está sentado em um banco
Leonardo Abrahão, psicólogo e criador da campanha Janeiro Branco - Divulgação

Pensando no autocuidado de cada um, o que cada pessoa pode fazer individualmente para cuidar da própria saúde mental?
Existem, sim, estratégias para que as pessoas também invistam em vidas com mais saúde mental. Essas estratégias, porém, não podem ser encaradas como moldes rígidos e universais. Os indivíduos são diferentes entre si, o que veste bem uma pessoa pode não vestir da mesma forma em outra.

Por isso a importância da pluralidade e da diversidade de estratégias em relação à saúde mental. Por exemplo: há quem goste de dançar, há quem odeie.

O importante, portanto, é buscar o equilíbrio entre autoconhecimento, condições existenciais e necessidades psicológicas, visando à valorização de um estilo de vida baseado em uma visão integral de saúde.

Nesse sentido, vale a pena que cada indivíduo busque o que conseguir das seguintes questões: autoconhecimento, autoestima, autonomia mental, autoperdão, círculos de amizades, ter com quem contar nos momentos difíceis da vida, prática de hobbies terapêuticos, espiritualidade saudável, abertura a novos conhecimentos, prática regular de exercícios físicos, abertura a buscar conselhos, abertura a procurar ajuda de profissionais da saúde mental antes do necessário e, indiscutivelmente, sempre que necessário, momentos juntos à natureza, planejamento financeiro, respeito familiar, planejamento familiar, sensatez política, trabalhos voluntários e capacidade de refletir criticamente sobre a vida em sociedade.

Muitas pessoas fazem listas de metas para cumprir ao longo do ano. Como podemos estabelecer esses objetivos sem nos sobrecarregar?
A virada de ano é um movimento cultural que incentiva as pessoas a pensarem em vários aspectos das suas vidas, tanto das suas vidas objetivas, quanto da suas vidas subjetivas. Aliás, essa é mais uma acertada estratégia do Movimento Janeiro Branco: convidar as pessoas a começarem a pensar em saúde mental em um dos momentos mais poderosos e fecundos para essa tarefa, que é o início de um novo ano.

Essa riqueza humana, verdadeira fábrica de esperanças, como disse Carlos Drummond de Andrade no poema "Fatiando o tempo", é uma oportunidade ímpar para trabalharmos pela sensibilização da humanidade em relação ao seu presente, ao seu futuro e, principalmente, em relação ao seus universos internos e subjetivos. É inaceitável que essa oportunidade seja desperdiçada.

Algumas pessoas transformam essa oportunidade em promessas de mudanças em suas vidas. Outras, em promessas de conquistas. E isso é bom, é natural e esperado de quem ainda tem forças para acreditar em seus próprios esforços e potenciais. Desesperança é sempre a perda de alguma forma de vitalidade. Antes falhar tentando do que falhar por nem tentar.

Não há contraindicação para o ato de sonhar, ainda mais em viradas de anos, em mudanças de ciclos e perante a chegada de novos horizontes como somente os janeiros conseguem oferecer às sociedades que os abraçam, ano após ano. Fez um plano e não deu certo? Talvez tenha dado certo o plano da vida de lhe fazer repensar em novos planos, não é verdade?

Qual mensagem você deixaria para ter um 2023 com uma saúde mental melhor?
A mensagem do Janeiro Branco 2023, "a vida pede equilíbrio". Há tempos nos esquecemos disso e há tempos pagamos altos preços por esse esquecimento: autoviolência, violência no trânsito, nas relações de vizinhança, na política, nos templos religiosos, nas famílias, nos ambientes de trabalho, nas mídias e até mesmo em hospitais demonstram o quanto ainda temos de avançar em termos de vidas mais equilibradas, mais sensatas e mais responsáveis.

Existem responsabilidades que são nossas e existem aquelas que são das autoridades, dos poderes públicos e das instituições sociais. Façamos a nossa parte e cobremos os nossos direitos, buscando o equilíbrio entre os nossos merecimentos e os nossos oferecimentos.

Lembre-se que você é uma entidade psicológica, psicodinâmica e psicossocial: você possui necessidades internas e subjetivas em meio às necessidades externas e objetivas do seu corpo biológico e social. Olhe para todas elas e busque atendê-las, sempre, em equilíbrio. Lembre-se que a vida alterna dores, alegrias, risos, lágrimas, felicidades, sofrimentos, conquistas e derrotas. Encontre o equilíbrio. Lembre-se que o tempo passa e nos ensina, pela dor ou pelo amor, o que devemos, mas não queremos aprender.

Somos aprendizes e professores, encontre o equilíbrio na escola da vida. Se sentir necessidade, procure ajuda: às vezes, o equilíbrio só é possível quando chega pelo lado fora. Um novo ano está começando. Janeiro é um portal e você já passou a um novo tempo: qual história você escreverá nas folhas em branco enfileiradas em sua vida, dentro e fora de você?

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