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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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84% dos veterinários se sentem deprimidos, ansiosos e irritados

Pesquisa inédita no Brasil busca avaliar saúde mental dos profissionais

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São Paulo

Uma pesquisa inédita no Brasil, elaborada para mapear a saúde mental dos médicos veterinários de animais de pequeno porte, revelou que 84% desses profissionais se sentem ansiosos, deprimidos ou irritados.

O levantamento foi encomendado pela farmacêutica MSD Saúde Animal (uma divisão da americana Merck & Co) e conduzido pela Kynetec, empresa especialista em pesquisa de mercado global em saúde animal e agricultura. Foram ouvidos 1.993 veterinários, entre 28 de junho e 26 de julho de 2022, de todas as regiões do país, que responderam a um questionário online.

Os entrevistados tinham de 25 a 65 anos, sendo 44% com idades entre 25 e 34 anos, e 30% entre 35 e 44 anos. Na divisão por gênero, 78% responderam feminino e 22% masculino. A raça ou etnia da maior parte dos respondentes foram branca (76%), parda (19%), negra/afrodescendente (3%) e asiática (2%).

Sobre a renda média mensal, o valor variou de R$ 1.300 a R$ 16 mil, mas as mais citadas foram de até R$ 3,3 mil (36%) e de R$ 3,3 mil a R$ 6 mil (27%).

"Dobby", a dog with cancer, receives treatment for its disease at the Radiophysics laboratory of the University of Santiago, in Santiago de Compostela on February 16, 2023. - The Radiophysics laboratory of the University of Santiago (USC) is the only center in Spain and Portugal for the treatment of cancer in dogs, cats and other animals. (Photo by MIGUEL RIOPA / AFP)
Veterinária acompanha tratamento de cão com câncer na Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha - Miguel Riopa/AFP

A psicóloga Bianca Gresele, que foi orientadora da pesquisa e investiga em sua tese de doutorado quais são os fatores de risco para saúde mental dos veterinários de animais de pequenos no Brasil, diz que o objetivo do levantamento foi sanar a falta de informações sobre as demandas emocionais desses profissionais e, a partir dos resultados, desenvolver ações que melhorem a qualidade de vida e condições de trabalho.

Gresele conta que por sua experiência na área e pelos resultados de estudos semelhantes que a Merck tem feito nos Estados Unidos nos últimos anos, o alto índice de sintomas depressivos e ansiosos em veterinários que a pesquisa brasileira apresentou não são surpreendentes.

"A partir do meu campo de atuação, de conviver com veterinários diariamente, tanto em sala de aula quanto em clínicas e hospitais, a partir do que escuto deles, eu já imaginava que essas taxas seriam altas", afirma.

Uma das condições que acomete os profissionais é a fadiga por compaixão, que é definida como um estado constante de preocupação com o sofrimento do outro e tem sintomas parecidos como o burnout.

"A fadiga por compaixão é uma síndrome que atinge os trabalhadores que estão envolvidos com o ato de cuidar. Além dos veterinários, ela é comum em outros profissionais da área da saúde, como médicos, enfermeiros e psicólogos. Mas também pode afetar professores, policiais, bombeiros e assistentes sociais", observa Gresele.

Outro ponto de destaque apresentado pela pesquisa é que, para 74% dos participantes, a necessidade de realizar eutanásia é um dos momentos mais difíceis da profissão.

Para Gresele, isso reflete uma falha das faculdades de medicina veterinária, que não oferecem disciplinas que abordam o processo de luto, o preparo para a perda de um paciente, a comunicação de más notícias, entre outras questões que envolvem a saúde mental dos universitários e futuros profissionais. "Os estudantes vão para a prática clínica com a mentalidade de que estão ali somente para salvar esses animais, sendo que o veterinário é um dos profissionais que mais lidam com a morte no dia a dia", ressalta.

O levantamento também mostrou que o nível de estresse é um dos principais desafios para 93% dos veterinários, sendo que para 72% deles é um problema crítico. Outro fator preocupante é a sobrecarga de trabalho: 50% dos respondentes trabalham mais horas do que gostariam, e 42% trabalham sempre ou frequentemente nos finais de semana, feriados ou à noite.

Apesar das demandas emocionais, a maioria dos participantes (90%) diz acreditar que o tratamento voltado à saúde mental ajuda a ter uma vida mais saudável, mas 68% deles não fazem sessões de psicoterapia, embora 40% sinalizaram que desejaram realizar um tratamento nos últimos 12 meses, mas não conseguiram. Dos respondentes, 77% não têm um programa de assistência aos funcionários em seu local de trabalho.

"Os resultados desse estudo evidenciam como é importante que, não só as universidades, mas também os hospitais veterinários, clínicas e grandes empresas da área olhem para a saúde mental dos veterinários e criem estratégias para lidar com essas questões. É uma responsabilidade dessas instituições também, a gente tem que parar de colocar essa responsabilidade somente nos ombros dos indivíduos", diz a psicóloga.

Daniela Baccarin, veterinária e gerente de soluções estratégicas e serviços médicos-veterinários da MSD Saúde Animal, farmacêutica que encomendou o levantamento, explica que "o mercado, de uma maneira geral, mostra indícios pela busca do conhecimento e apoio psicoemocional".

"Para contribuir de uma maneira bastante assertiva, decidimos fazer a pesquisa para termos dados e entendermos exatamente como apoiar", afirma.

Um método desenvolvido pela empresa é o curso voltado para a saúde mental, que faz parte da Universidade MSD Saúde Animal, criada em 2010.

"O primeiro módulo, com quatro aulas, traz uma introdução sobre saúde mental, a importância do autoconhecimento e bem-estar e qualidade de vida. Já o segundo, com cinco aulas, aborda depressão, ansiedade, burnout e suicídio. Por fim, o terceiro, com nove aulas, promove temas como o processo de luto, perda dos pets, fatores estressores da profissão, comunicação na área e como comunicar más notícias", diz.

Também com o objetivo de oferecer suporte emocional aos veterinários, a psicóloga Bianca Gresele fundou há dois anos, junto com uma equipe de profissionais da área, a Ekôa Vet, a primeira associação brasileira em prol da saúde mental na medicina veterinária.

"Não existia nenhuma associação desse tipo aqui no Brasil. Nos Estados Unidos tem a No One More Vet, da qual sou afiliada", diz Gresele.

Os três principais pilares da Ekôa Vet, relata a psicóloga, são informar, prestar acolhimento e aumentar a conscientização sobre a temática da saúde mental na medicina veterinária.

Um dos propósitos do projeto é combater informações inverídicas sobre a profissão, com uma pesquisa divulgada há cerca de dez ano que dizia que os veterinários estavam entre os profissionais que mais cometiam suicídio. "No Brasil nem existe um banco de dados confiável para chegar a uma conclusão dessas", ressalta.

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