Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow
Descrição de chapéu The New York Times machismo

Cerco da oposição a 1ª prefeita negra de Nova Orleans reflete sexismo e discriminação

LaToya Cantrell enfrenta acusações de improbidade e tem até relacionamento amoroso investigado

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The New York Times

"Como prefeita, ela não deveria estar dançando twerk [estilo com requebradas do quadril]. Deveria estar trabalhando." Foi o que Belden "Noonie Man" Batiste me disse ao explicar seus esforços para destituir a prefeita de Nova Orleans, LaToya Cantrell, a primeira mulher negra a comandar a cidade, que muitas vezes foi filmada dançando.

Batiste é um homem baixo de óculos que, ao falar, soca as mãos enfaticamente e gira os antebraços como a roda de pás de um barco a vapor. Ele é um ativista enérgico na cidade e um candidato serial que sofreu muitas derrotas, inclusive para prefeito. E levantou sérias preocupações sobre o governo Cantrell, que tem lutado com as detenções policiais, gastos e viagens suspeitos, acusações de corrupção, saneamento e, principalmente, crimes.

A prefeita de Nova Orleans, LaToya Cantrell, ouve discurso de Joe Biden em Washington
A prefeita de Nova Orleans, LaToya Cantrell, ouve discurso de Joe Biden em Washington - Leah Millis - 20.jan.23/Reuters

Mas seu comentário sobre o twerk expõe uma mesquinhez que convenceu várias das mulheres negras com quem falei na cidade não apenas de que Cantrell está sendo avaliada por um padrão mais alto do que seria usado para um homem branco, mas também de que ela está sendo submetida a um tipo de sexismo específico para mulheres negras: o chamado misogynoir.

O esforço para revogar o mandato de Cantrell (chamado recall) é tão complexo quanto a própria cidade, onde até os santos pecam. No entanto, uma coisa está clara para mim: a taxa de homicídios não está nem de longe tão ruim quanto em meados da década de 1990, quando homens governavam a cidade e nunca enfrentaram a ameaça de perder seus empregos dessa maneira.

É certo que Cantrell, que não quis dar entrevista para esta coluna, enfrentou acusações constantes de improbidade. Este mês, em uma petição de divórcio, a mulher de um policial de sua equipe de segurança acusou uma "Sra. L.C.", que os meios de comunicação locais mais tarde identificaram como Cantrell, de se envolver em um "relacionamento sexual duradouro" com o marido.

Cantrell não apenas negou a acusação; ela zombou, dizendo: "Quando eu terminar meu mandato como prefeita, terei dormido com metade da cidade de Nova Orleans, segundo falsas acusações que surgem em meu caminho, às vezes diariamente". Mas os fatos subjacentes à acusação são bastante sérios. De acordo com a afiliada local do canal Fox, neste mês o FBI está investigando o tempo que ela passou com o policial, bem como seu relacionamento com o departamento de polícia como um todo.

Se ela for denunciada pelos federais, não seria a primeira. Ray Nagin, ex-prefeito da cidade, foi condenado por 20 acusações de corrupção, suborno e fraude em um esquema de propina. Ele não foi submetido a referendo de recall.

Além disso, Nova Orleans tem sua própria maneira de considerar as indiscrições pessoais. Em uma cidade com o mantra "Laissez les bons temps rouler" (Deixem os bons tempos rolarem) e sensibilidades hedonistas e celebratórias, aventuras sexuais mal causam marolas.

Mas, para alguém como Cantrell, pode não ser o caso: vivemos num país onde um presidente (Donald Trump) pôde ser acusado de agressão sexual sem ser destituído do cargo; onde um governador (Ralph Northam) pôde ser acusado de usar blackface e trajes da Ku Klux Klan sem ser destituído do cargo; onde um congressista (Jim Jordan) pôde ser acusado de ignorar as denúncias de estudantes atletas molestadas sem ser destituído. Esta eleição em Nova Orleans levanta uma pergunta simples, mas premente: os políticos negros, particularmente as mulheres negras, têm direito à mesma folga na coleira?

Não desejo defender o mau comportamento ou as más escolhas, mas a punição equitativa pelos erros cometidos é tão importante para a igualdade quanto a recompensa equitativa pelo bem.

Cantrell, por sua vez, tentou classificar a tentativa de revogação de seu mandato como partidária e racista, chamando-a de manobra republicana para "desacreditar a primeira prefeita negra".

É uma tese difícil de defender. Sim, dois ricos doadores republicanos brancos contribuíram com cerca de metade do dinheiro arrecadado para o recall, disse Batiste, mas as duas pessoas que organizaram o referendo são negras, assim como a oponente de Cantrell, Desiree Charbonnet.

Ainda assim, sem dúvida há um elemento racial nessa iniciativa: a maioria dos brancos com quem conversei em bares e nas ruas de Nova Orleans esta semana apoiou o recall; a maioria dos negros, não.

Cantrell é um tipo de política franca e simples que a torna querida por muitos, especialmente os negros, mas deixa os outros horrorizados. Ela é frequentemente descrita como curta e grossa. É sincera e desinibida, e vi isso de perto quando a entrevistei em seu gabinete em 2018. Mas há uma linha em que a brusquidão se torna intimidação, e Cantrell às vezes parece cruzá-la.

Ela tem domínio sobre a cidade. Se a está segurando pela mão ou pelo pescoço, depende de com quem você fala. Mas tem um muro de defesa que provavelmente a ajudará a manter seu cargo.

Mas, novamente, a pergunta paira no ar: o comportamento dela é pior que o de todos os homens que a antecederam? Parece-me que Cantrell está sendo punida não apenas pelo desempenho, mas também por ser uma forasteira agressiva num momento de crise interna –por não ser nativa da cidade, por não fazer parte de sua linhagem política dinástica, por não exemplificar a burguesia de Nova Orleans. Todas as coisas que antes funcionavam a seu favor, mas agora agem contra.

Mas, como disse Edward Chervenak, diretor do Survey Research Center da Universidade de Nova Orleans: "Historicamente, as pessoas realmente amam seus prefeitos". Para provocar uma votação de revogação para Cantrell, Batiste e seus colegas organizadores precisarão obter cerca de 54 mil assinaturas até 22 de fevereiro e, nesta semana, faltavam cerca de 15 mil, enquanto a cidade entrava no clima de Carnaval, o "Mardi Gras".

"Até a prefeita Cantrell, o prefeito era o rei", disse Chervenak. "Claro, agora ela é a rainha."

Essa tendência a enobrecer o cargo, afinal, pode protegê-la, mesmo que ela tenha mostrado um impulso para os excessos e a indiferença digno de Maria Antonieta enquanto sua cidade sofre.

Mas se ela sobreviver à tentativa de revogação e às investigações terá que perceber que sua cidade está sofrendo e precisa ser curada, que o esforço de recall é um voto de desconfiança significativo que não pode ser simplesmente descartado como "uvas verdes", hostilidade racial ou obra de um inimigo vingativo. Além disso, não é uma vitória se as pessoas não assinarem a petição por medo de fazê-lo.

Ela precisará reconquistar a confiança dos eleitores que se afastaram, e isso precisará começar com uma humildade e não agressão que poderão lhe parecer estranhas.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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