Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow

Primeiro comício de Trump mostra que ele está preso no passado

Tom do ex-presidente revela versão mais vulgar da campanha de 2015, sem indicar crescimento pessoal ou político

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Waco (Texas)

No primeiro grande comício de sua campanha presidencial para 2024, Donald Trump não aproveitou o simbolismo de falar em Waco no 30º aniversário do cerco mortal à seita religiosa davidiana, que até hoje serve como grito veemente da direita contra a autoridade do governo federal. Ele não precisava.

Este discurso, como muitos outros dele, foi uma mistura de mentiras, hipérboles, superlativos, invectivas, pessimismo, humor pueril e retornos a antigas queixas —mensagens que funcionam em diversos níveis.

a foto, tirada de baixo para cima, mostra donald trump diante um púlpito, falando agressivamente ao microfone. ele é um homem branco, idoso e possui cabelos loiros curtos
Donald Trump em seu primeiro comício de campanha após anunciar sua candidatura à Presidência dos EUA nas eleições de 2024, em Waco, Texas - Leah Millis - 25.mar.23/Reuters

Alguns de seus seguidores ouvem um chamado às armas. Alguns ouvem a expressão dos seus próprios pensamentos. Outros, as lamentações de uma vítima corajosa. Outros ainda ouvem um piadista irônico metendo o dedo no olho do establishment político.

Ao atacar o governador Ron DeSantis, da Flórida –um provável rival para a indicação republicana–, por suposta deslealdade, Trump invocou um ex-prefeito de Tallahassee, Andrew Gillum, que concorreu contra DeSantis em 2018. Um ano e meio depois, Gillum foi encontrado em um quarto de hotel em Miami Beach com "um suposto acompanhante masculino e suspeita de metanfetamina", segundo reportagens.

Mas esses fatos não foram suficientes para Trump, que aumentou o sensacionalismo, chamando Gillum de "piradão" e arrancando risos da multidão.

É uma parte padrão da rotina de Trump: os comediantes, afinal, não são limitados pela verdade –ou pelas sensibilidades de raça, gênero e sexualidade. Para provocar risos, eles têm permissão para se envolver em todo tipo de distorção, e é o que Trump faz.

Na verdade, o quociente de entretenimento de Trump não recebe tanta atenção e análise quanto merece. Seus apoiadores gostam dele em parte pela irreverência que traz para a arena política.

Ele chamou Stormy Daniels de "cara de cavalo" e disse que, se ele tivesse tido um caso, "não seria com ela" —observação não apenas grosseira e sexista, mas que desmente a realidade de que mais de uma dúzia de mulheres já o acusaram de impropriedades sexuais.

Lembre-se: antes de Trump, quando os políticos nacionais eram da variedade mais tradicional, um homem comentando a aparência de uma mulher, mesmo na tentativa de lisonjear, estava fora dos limites. Uma década atrás, quando o presidente Barack Obama, brincando, chamou Kamala Harris de "a procuradora-geral mais bonita do país", ele foi tão duramente criticado que se viu obrigado a pedir desculpas. Mas quando Trump menosprezou Daniels, a multidão o aplaudiu.

Trump é o Andrew Dice Clay da política americana, apelando para o machismo, a misoginia e a malícia –um tipo de personagem que é constante na cultura americana.

O próprio Clay era apenas uma versão mais sombria dos personagens da cultura pop dos anos 1970, como Danny em "Grease - Nos Tempos da Brilhantina" e Fonzie em "Dias Felizes". E eles eram apenas versões com chiclete e risos de personagens interpretados por James Dean na década de 1950.

Trump pegou um arquétipo americano e acrescentou horror, poder político real e um ego potencialmente destruidor de impérios. Seu humor e sua audácia costumam fazer parte da narrativa do herói popular americano, posição que Trump conquistou entre seus seguidores. De fato, a atmosfera do lado de fora do comício de sábado, num belo dia de primavera, parecia uma multidão antes de um show.

Isso é parte do que torna Trump tão perigoso. Para alguns, o extremismo dos fãs cria uma comunidade. Para outros, a adoração a Trump pode inspirar um fanatismo violento, como vimos no 6 de Janeiro.

É uma fórmula e, para os fãs obstinados de Trump, funciona. Mas, à medida que o encanto da fórmula desaparece, ela também pode se revelar o calcanhar de Aquiles de Trump. Ele está preso numa posição retrógrada enquanto o país está avançando. Em vez de visão, Trump oferece revisão.

Trump ainda exagera velhas conquistas, briga por uma eleição perdida e marca inimigos para retaliação. Está preso numa rotina. Tem obsessão por inimigos, pessoais, reais ou percebidos. Ele precisa deles, senão é um guerreiro sem guerra.

Enquanto isso, os republicanos de todo o país em busca de alguém novo, sem dúvida liderados por DeSantis, seguiram para sua própria guerra, uma nova guerra, a cultural.

Não é focada neles pessoalmente, mas em usar os medos dos pais para promover políticas opressivas. Enquanto Trump menosprezava as minorias em nível nacional (manifestantes de direitos civis, imigrantes e muçulmanos), os republicanos de hoje começam a codificar a opressão em nível local.

Eles fornecem mordida legislativa para o latido retórico de Trump. São a face do trumpismo sem ele, a face da intolerância quando você a veste e a faz dançar.

Eles são a vanguarda da ridícula guerra contra a consciência racial-social. Mas esta não é a pista de Trump. Não é invenção dele. E seu orgulho resiste a abraçá-la totalmente.

Trump falou durante cerca de uma hora e meia no sábado (25), mas principalmente guardou a retórica da guerra cultural para o fim, ameaçando um decreto para cancelar as verbas para as escolas que ensinam teoria crítica da raça, a "insanidade de transgêneros" ou "conteúdo racial, sexual ou político".

Era uma ameaça abrangente, mas mesmo aí ele prometeu fazê-lo por meio de ordens executivas facilmente reversíveis, em vez de mecanismos legislativos mais robustos.

Trump teve um momento. Ele ganhou uma eleição (mesmo que tenha sido com conexões russas e o mau julgamento de James Comey). E durante quatro anos os internos administraram o asilo. Mas esse tempo passou. Trump não se moveu, mas o chão embaixo dele mudou.

Depois do discurso de Trump, voltei a ouvir seu primeiro discurso após anunciar sua candidatura em 2015. O tom e os temas eram surpreendentemente semelhantes. Ele não cresceu muito desde então, pessoal ou politicamente. Está mais autoconfiante e mais vulgar, mas o narcisismo ainda é seu motor.

No final das contas, se seus problemas jurídicos não acabarem com ele, sua incapacidade de crescer além da nostalgia e da negatividade pode fazê-lo. Ser a personificação de uma reprise na televisão ou uma comédia de terror com referências retrô não combina com este momento. Agora não é 2016.

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