Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow

Expulsão de deputados negros no Tennessee expõe sanha autoritária do Partido Republicano

Ânsia conservadora, no entanto, saiu pela culatra e fez de seus alvos, Justin Jones e Justin Pearson, mártires

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Na semana passada, a mesma Câmara do Tennessee que resistiu à expulsão de um membro republicano acusado de agredir sexualmente três adolescentes –e que foi gravado se desculpando a uma delas, sem especificar o motivo– expulsou dois jovens deputados negros. A ofensa? Interromper procedimentos da Câmara protestando contra a intransigência da Casa na legislação sobre armas.

Os deputados estaduais Justin Jones e Justin Pearson juntaram-se à deputada Gloria Johnson, que é branca, entoando o slogan "sem ação, sem paz" –instigando seus colegas legisladores a agir após o ataque a tiros em uma escola de Nashville. Eles logo ficaram conhecidos como os "Três do Tennessee".

Os democratas Justin Jones, em primeiro plano, e Justin Pearson na Câmara de Tennessee, nos EUA
Os democratas Justin Jones, em primeiro plano, e Justin Pearson na Câmara de Tennessee, nos EUA - Cheney Orr - 6.abr.23/Reuters

Os republicanos, que têm supermaioria em ambas as Casas da legislatura estadual, ficaram furiosos.

De alguma forma, isso para eles era cruzar a linha. Vários legisladores compararam ridiculamente a violação das regras da Câmara pelos membros do protesto à insurreição letal de 6 de janeiro de 2021, na qual uma multidão de apoiadores de Donald Trump invadiu o Capitólio dos Estados Unidos, destruindo propriedade pública e agredindo a polícia num esforço para inviabilizar o processo democrático.

Apurados os votos pela expulsão, Jones e Pearson foram removidos, mas Johnson, poupada.

Esses republicanos queriam vingança. Queriam colocar esses membros negros sob controle. Eles queriam demonstrar o poder do proverbial pelourinho: envergonhar publicamente, demonstrar dominação e tentar forçar a submissão. Suas verdadeiras questões não eram o debate sobre o controle de armas ou mesmo a ordem na legislatura. Foi uma tentativa de calar a dissidência.

Expulsões de legislaturas estaduais têm sido raras na história americana, com a maioria dos casos envolvendo "legisladores estaduais que enfrentaram acusações criminais ou de má conduta sexual".

Mas a ânsia de vingança e opróbrio dos republicanos não só fracassou como saiu pela culatra. Seus alvos viraram mártires. Pessoas no Tennessee e em todo o país ficaram indignadas com a severidade do tratamento dispensado aos legisladores, sua obstinação em relação à violência armada e o inevitável simbolismo racial de tudo isso. Os legisladores expulsos tornaram-se causas célebres. Em vez de amordaçadas, suas vozes foram amplificadas.

Na segunda-feira (10), o Conselho Metropolitano de Nashville votou unanimemente para reinstituir Jones, nomeando-o para seu cargo até a próxima eleição, e ele voltou à legislatura após ser empossado. Ele caminhou até o plenário da Câmara com o punho erguido em desafio. Pearson também foi reintegrado após votação do Conselho de Comissários do Condado de Shelby nesta quarta-feira (12).

O parlamentar Justin Jones abraça colega após ser reintegrado à Câmara local do Tennessee, em Nashville
O parlamentar Justin Jones abraça colega após ser reintegrado à Câmara local do Tennessee, em Nashville - Cheney Orr - 10.abr.23/Reuters

Mas muito antes dos "Três do Tennessee" houve os "33 Originais" da Geórgia. Em 1868, uma das primeiras eleições após a Guerra Civil, mais de uma dúzia de homens negros foram eleitos para a legislatura da Geórgia, tornando-se alguns dos primeiros deputados estaduais negros do país.

Quando a Assembleia Geral se reuniu, a maioria branca rapidamente expulsou os membros negros por nenhuma ofensa além de sua raça. Houve indignação nacional com a medida; o Congresso se recusou a nomear os deputados federais da Geórgia devido às expulsões. E, como no Tennessee agora, o estado acabou sendo forçado a reintegrar os membros negros expulsos.

O fato de os legisladores estaduais negros agora enfrentarem a mesma ameaça que os legisladores negros há mais de 150 anos é um retrato tão claro quanto possível de onde os EUA estão agora e do grau de retrocesso que muitos políticos republicanos estão tentando infligir.

A relutância dos legisladores republicanos a enfrentar o problema da violência armada pode ter sido a fagulha, mas o problema mais amplo que os dois Justin e seus colegas democratas estão enfrentando é a virada antidemocrática do Tennessee –uma virada emblemática do Partido Republicano de maneira mais ampla, agora energizado por negacionismo eleitoral, medo da "substituição racial" e resistência a um cenário cultural em rápida mudança.

Há também uma questão em jogo que não recebe atenção suficiente: os esforços dos legisladores republicanos para tirar o poder de cidades grandes –e democratas– em seus estados.

Embora os estados do Sul possam ser majoritariamente brancos e, em sua maioria, controlados pelos republicanos, a população das principais cidades sulistas é desproporcionalmente negra. Pearson representa Memphis, que é majoritariamente negra, e Jones representa Nashville, cuja porcentagem negra da população é consideravelmente maior que a do estado como um todo.

A legislatura dominada pelos republicanos do Tennessee, aparentemente irritada com essa realidade, procurou neutralizar politicamente esses eleitorados.

Uma forma como isso se manifestou é que os republicanos apresentaram projetos de lei "para exercer seu controle sobre os conselhos administrativos do aeroporto de Nashville, do Nissan Stadium, da Bridgestone Arena e de outros marcos da Cidade da Música", como relatou The Tennessean em fevereiro.

Em março, a legislatura do Tennessee aprovou, e seu governador republicano assinou uma lei que corta pela metade a composição do Conselho Metropolitano de Nashville. A lei foi vista como uma retaliação ao voto do conselho contra a realização da Convenção Nacional Republicana de 2024, lei que um painel de juízes bloqueou –pelo menos por enquanto.

O fervor antidemocrático, o poder desenfreado e a sede de vingança definem o atual Partido Republicano. De fato, Trump, o verdadeiro líder do partido, declarou recentemente: "Sou sua retribuição". Legisladores e governadores republicanos empregaram esse princípio em sua própria forma de autoritarismo federalista.

A expulsão dos Justin é um exemplo, um sintoma de uma doença generalizada, perigosa e assustadora.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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