O tiro de fuzil que matou a menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, durante uma operação da PM no Complexo do Alemão, no Rio, atravessou o Twitter no final de semana, deixando para trás até a expectativa em torno do discurso de @jairbolsonaro na abertura da 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, previsto para esta terça (24).
No sábado (21), a hashtag #ACulpaEDoWitzel, em referência à política “tiro na cabecinha” do governador Wilson Witzel, foi ao topo dos Trending Topics da plataforma. No relato da família da criança e de outros moradores, policiais atiravam contra uma moto e atingiram Ágatha, que estava com a avó dentro de uma Kombi. A hashtag #AgathaPresente e menções ao nome da vítima também viralizaram.
A jornalista e autora do livro Mãe sem Manual (Editora Belas Letras) resumiu o clima de comoção nas redes: @RitaLisauskas “Se você não enxerga seu filho nessa imagem, já perdeu a humanidade. #AghataPresente #aculpaédowitzel.”
A ex-ministra do Meio Ambiente, também candidata à Presidência em 2018, @MarinaSilva, também tuitou: “A morte da menina Ágatha, de 8 anos, deveria nos chocar e constranger como sociedade. É inadmissível que mais uma criança seja morta impunemente devido a uma política de segurança que cultua a violência. É dever do Estado garantir uma política de segurança que proteja a vida.”
Compartilhando o vídeo em que o avô de Ágatha desabafa —“foi a filha de um trabalhador, tá? Minha neta fala inglês, tem aula de balé, tem aula de tudo. Ela é estudiosa. O polícia atirou em quem?”— , o escritor @michellaub acusou: “Quem vota em Witzel e Bolsonaro não tem como se dissociar disto. A morte que nasce numa escolha política só pode ser tratada como morte política. O impacto emocional do discurso do avô de Ágatha vai na conta de quem transformou a segurança pública num mero debate emocional.”
O perfil da ONG @riodepaz postou um breve balanço do ano e perguntou: “Crianças mortas por bala perdida no RJ em 2019: Jenifer Cilene Gomes. 11 anos. Kauan Peixoto. 12 anos. Kauan Rosário. 11 anos. Kauê Ribeiro dos Santos. 12 anos. Ágatha Félix. 8 anos. Todas moradoras de comunidade. O que essas mortes têm a dizer sobre a nossa democracia?”
A cientista política e diretora do Instituto Igarapé –convidada e depois desconvidada pelo ministro Sergio Moro para uma vaga no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária–, @IlonaSzaboC escreveu no domingo (22): “Desde ontem sem saber como falar sobre Ágatha, e sobre tantas outras crianças mortas no Rio. As palavras não saem. O que está acontecendo em nossa cidade? Em nosso país? Quando vamos parara de normalizar a barbárie? Violência gera violência. O Estado tem que dar o primeiro passo.”
Também ao Twitter o ministro do STF @gilmarmendes “Os casos de mortes resultantes de ações policiais nas favelas são alarmantes. Ágatha é a quinta criança morta em tiroteios no RJ neste ano. Ao total, 16 foram baleadas no período. Uma política de segurança pública eficiente deve se pautar pelo respeito à dignidade e à vida humana.”
Crime e castigo
Houve, por outro lado, quem isentasse a PM e a política de segurança fluminense e atribuísse a responsabilidade aos hábitos de artistas que se manifestaram por Ágatha. Foi o caso do radialista @EdvaldoPrado1 “Você quer saber por que a esquerda caviar culpa a polícia ao invés do tráfico quando tem alguma tragédia na favela? É por isso...”
O filósofo liberal e colunista da Folha @JoelPinheiro85 topou o debate: “Não é tão difícil entender como a proibição da droga coloca o mercado dela nas mãos do crime organizado. Quando os EUA proibiram bebidas alcoólicas nos anos 20, quem tomou conta desse mercado? A máfia. O que ocorreu com o álcool ocorre também com as demais drogas.”
O ator e comediante @PaulinhoSerra, por sua vez, preferiu perguntar: “Quem armou os traficantes? Quem facilitou a entrada da droga?”
A outros que criticaram a “pouca” comoção diante das mortes de dois policiais no mesmo fim de semana no Rio –o cabo Leandro de Oliveira da Silva, de 39 anos, e o PM Fellipe Brasileiro Pinheiro, de 34–, a resposta mais contundente veio de um advogado e ex-PM:
@rscarvalho909 “Fui policial militar por 13 anos no Rio de Janeiro. Fui a muito enterro de colega, morto por bandidos. Dei sorte de não estar naquele caixão. Porém, isso era um risco, fazia parte do ‘contrato’. Só que não dá para comparar com a morte de uma criança de 8 anos. É canalhice.”
Exclua-se o excludente
Ciente, talvez, da movimentação que já ocorria entre parlamentares, em meio à comoção do caso Ágatha, para derrubar de seu pacote anticrime o “excludente de ilicitude”, o ministro da Justiça enfim foi ao Twitter, às 19h36 de domingo (22):
@SF_Moro “Lamentável e trágica a morte da menina Ágatha. Já me manifestei oficialmente. Os fatos têm que ser apurados. Não há nenhuma relação possível do fato com a proposta de legítima defesa constante no projeto anticrime. Deputado @FFrancischini tem razão e agradeço pelo apoio.”
No tuíte citado, o deputado federal pelo PSL do Paraná argumentava que: @FFrancischini “A morte da menina Ágatha é triste. No entanto, não se pode usar isso para prejudicar o debate sobre o Pacote Anticrime na questão da excludente de ilicitude. O projeto é bastante claro quanto às hipóteses e limites. Não há carta branca para matar. Leiam o projeto e deixem de má-fé.”
O deputado federal pelo PSOL-RJ rebateu a mensagem de Moro: @MarceloFreixo “O silêncio seria mais digno do que essa declaração tão insensível e irresponsável. O texto fala sim da ampliação do excludente de ilicitude ao permitir o perdão a policiais que matarem e alegarem medo, surpresa ou forte emoção. Estaria o assassino de Ágatha sob forte emoção?”
Palavras e gestos
Sinal de que a comoção em torno do caso está longe de terminar, as 44,2 mil menções ao nome “Fábio Assunção” no início da tarde de ontem (23) registravam o impacto da imagem do ator e ex-usuário de drogas, sob forte chuva, no ato organizado por moradores do Complexo do Alemão para Ágatha Félix no domingo (22):
@JornalOGlobo “‘Essa guerra em vigor é uma guerra inútil’, diz ator Fábio Assunção sobre morte de Ágatha.”
Antes que seja tarde
Dois tuítes publicados na sexta-feira (20) dão conta do aumento da sensibilidade à causa ambiental proporcionada pela ação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU e ativistas como a sueca Greta Thunberg, de 16 anos:
@GretaThunberg “Números preliminares dão conta de que pelo menos 3 milhões de pessoas no #ClimateStrike de hoje. Isso sem contar as Américas do Norte e do Sul!! Para ser atualizado...”
Do urbanista canadense @BrentToderian “Isto é @GretaThunberg aos 15 anos, sozinha fora do Parlamento sueco cerca de um ano atrás, em agosto de 2018, realizando a primeira greve climática escolar. Apenas um ano atrás. Ela não está mais sozinha. Nunca subestime o poder da liderança e da bravura. #ClimateStrike #ClimateCrisis”
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